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Você é a favor da ampliação da competência do Tribunal do Júri para outros crimes seguidos de morte?
 
Sim, para qualquer crime doloso seguido de morte.
Sim, com exceção do estupro seguido de morte.
Não. A competência do Tribunal do Júri deve permanecer a mesma.
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29/05/2015  - ENTREVISTA: O Tribunal do Júri na análise de um dos seus grandes defensores
 
Antônio Rodrigues de Lemos Augusto – Confraria do Júri



O promotor de Justiça Márcio Friggi Augusto de Carvalho está há doze anos no Ministério Público de São Paulo. Neste período, foram mais de 500 sessões do Tribunal do Júri. O julgamento dos policiais militares envolvidos no “Massacre do Carandiru” está no rol de atuação de Márcio Friggi.

Friggi está temporariamente atuando junto à Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, como coordenador de Inteligência do MP-SP e secretário executivo do Gaeco. No dia 22 de maio, esteve em Cuiabá, ministrando o “Minicurso sobre Tribunal do Júri”, promovido pela Associação dos Promotores do Júri (Confraria do Júri) e Ministério Público de Mato Grosso. No evento, deu dicas práticas sobre processos de crimes dolosos contra a vida (clique aqui) e descreveu o que foi trabalhar no Júri do Carandiru (clique aqui). No intervalo, concedeu esta entrevista, abordando temas atuais da legislação do Júri.

CONFRARIA DO JÚRI - Estamos completando sete anos da grande reforma do Tribunal do Júri, tempo mais do que suficiente para formarmos uma doutrina e jurisprudência à respeito. Qual resultado da reforma após todo este tempo?

MÁRCIO FRIGGI - O pacote da reforma, o saldo, eu vejo positivamente. O que eu percebo de mais importante: antes da reforma, o número de adiamentos era muito maior, a possibilidade de adiamento era muito maior. Hoje, a gente ainda tem adiamentos, mas em número bem mais reduzido. Só isso já é um apontamento para se considerar como positiva a reforma de 2008.

É claro que a gente tem que avançar. Eu, por exemplo, não concordo com o quesito “O jurado absolve o réu?” como quesito obrigatório. A jurisprudência vem se consolidando nesse sentido, a maioria da doutrina também, mas me parece um contrassenso você ter um quesito obrigatório no sentido da absolvição e, muitas vezes, o advogado sequer sustenta a tese que encaixe neste quesito.

Por exemplo, se a tese é só de negativa de autoria, a questão se resolve no segundo quesito. Eu tenho o primeiro da materialidade e o segundo da autoria ou participação. Se a tese é só essa, eu não preciso do quesito do “jurado absolve”. Só vou ter “o jurado absolve” se eu tiver, como tese, a legítima defesa, alguma excludente de culpabilidade, aí tudo bem: eu tenho a necessidade do quesito. Mas não como quesito obrigatório, independentemente de qualquer tese. É um contrassenso nesse sentido.

Um outro problema neste quesito, me parece até a pior questão envolvendo a reforma, é você ter a possibilidade de quatro teses que se encaixem nele – legítima defesa própria, legítima defesa de terceiros, legítima defesa putativa, estrito cumprimento do dever legal. Tudo isso se resolve neste único quesito. Então eu posso ter, eventualmente, uma maioria falsa. Um jurado apoia uma tese, um outro apoia outra, o terceiro apoia uma terceira e dá a maioria de quatro no sentido da absolvição e, na verdade, eu não tenho maioria sobre tese nenhuma.

Isso precisa avançar. É necessário pensar em alguma coisa para melhorar a roupagem desse dispositivo. Há duas possibilidades:

Colocá-lo como quesito facultativo, a depender da tese, e desdobrado por tese. Por exemplo: O jurado absolve o réu por legítima defesa? Sem destrinchar a legítima defesa como se fazia no passado, para não tornar complexo, porque o projeto da reforma era simplificar o questionário. Isso é bom. Mais: o jurado absolve o réu por legítima defesa própria?; o jurado absolve o réu por legítima defesa putativa?; o jurado absolve o réu por estrito cumprimento do dever legal?. Aí eu resolvo este problema da falsa maioria e também não tenho um quesito obrigatório sem conteúdo nenhum, que só dá margem a absolvições com base em clemência, com base em piedade, com base em valores que são meta-jurídicos e que não deveriam pautar a discussão.

CONFRARIA DO JÚRI - Da forma que está hoje, dificulta bastante o recurso pelo Ministério Público que não sabe qual tese vai atacar...

MÁRCIO FRIGGI - Dificulta, justamente. Se você tem uma situação dessa em que não sabe qual tese foi acolhida, você não tem condições de saber como o jurado decidiu. O promotor tem que rebater tudo, independente de saber exatamente que tese prevaleceu. Vai ter que trabalhar com o conjunto da tese de defesa para atuar em sede de recurso.

CONFRARIA DO JÚRI - E dificulta o trabalho do Tribunal ao julgar o recurso...

MÁRCIO FRIGGI - Sim, é uma cadeia de problemas. Se eu não sei qual é a tese, se eu não sei qual a razão que levou à absolvição, eu tenho dificuldade em articular o recurso, o procurador de justiça tem dificuldade de fazer o parecer e o desembargador tem dificuldade de fazer o voto. Não tem condições de você avaliar isso da forma mais específica, que seria saber exatamente qual a tese que venceu e os fundamentos dessa tese. Tem que fazer um apanhado geral e fica mais complicado combater.

CONFRARIA DO JÚRI -Depois da reforma, acirrou-se a discussão sobre o uso de peças do inquérito no momento do Júri. Como você vislumbra o andamento deste debate?

MÁRCIO FRIGGI - Eu não vejo problema nenhum em se usar a peça do inquérito policial para discussão em plenário. É totalmente diferente a formatação do julgamento do júri. Nunca se saberá se o jurado julgou com base em prova só inquisitiva ou com base em prova judicial. É um despropósito. Considerar um encaminhamento desses é descaracterizar completamente a estrutura do Tribunal do Júri. Você não sabe como o jurado julgou.

Mais: Fazer uma sustentação com base exclusivamente na prova inquisitiva não acontece na prática. Sempre vai haver algum tipo de chancela judicial por parte do promotor, até porque você, como promotor, para chegar ao seu convencimento técnico à respeito da viabilidade da acusação e da necessidade de condenação, você – em respeito à lei – fez uma análise no sentido da prova ter alguma proteção judicial, ter algum amparo na prova judicial. Se a prova for exclusivamente inquisitiva e, portanto, não deveria ter força para convencer o próprio promotor, não é conteúdo para o plenário. Então eu acho que essa discussão é muito própria para o procedimento ordinário tradicional, em que o juiz fundamenta, mas é incompatível com o procedimento do júri. Se o jurado se baseou exclusivamente na prova inquisitiva, nós nunca vamos ficar sabendo. Pior ainda seria algum mecanismo legal em que o jurado tivesse que motivar. Aí, perderíamos completamente o formato de júri que nós temos no Brasil. Mas tem algum projeto aí no sentido de que o jurado passe a fundamentar sua decisão. Isso quebra completamente a lógica da nossa cultura de júri. Pela proposta, ele deveria fundamentar com base em matéria de fato, mas não tem cabimento e foge completamente da nossa cultura de Tribunal do Júri no Brasil.

CONFRARIA DO JÚRI - No Congresso Nacional, nós temos diversos projetos de lei e mesmo de Emendas Constitucionais para alterações no Júri. Os mais comuns relacionam-se à ampliação da competência para outros crimes. Você defenderia, por exemplo, a ampliação da competência para crimes de corrupção?

MÁRCIO FRIGGI - Historicamente, o júri começou no Brasil para crimes eleitorais. Era esta a primeira competência do júri no Brasil. Depois, passada esta fase, nós sempre optamos por esta linha de crimes dolosos contra a vida. Eu acho que o crime doloso contra a vida, crime de sangue, ele se justifica no júri, não só por ser a vida o bem jurídico mais importante com a possibilidade da sociedade trabalhar nos casos, mas normalmente envolve circunstâncias em que é importante que a abordagem não seja exclusivamente técnica e jurídica. É interessante que o jurado tenha meios e sensibilidade de agregar outros valores na decisão.

Eu tenho um pouco de dificuldade de conceber julgamento de corrupção, de crimes contra a administração pelo Tribunal do Júri, porque muitas vezes envolvem algum tipo de técnica que extrapola muito a possibilidade de julgamento. Os crimes contra a vida, especialmente o homicídio, são crimes em que todo mundo sabe o que acontece, como se faz, quais são as consequências, não precisa ter grandes técnicos para entender o encadeamento de um homicídio, pelo menos na grande parte dos casos. Agora, imagine um crime de corrupção que envolvesse um processo de fraude em licitação, de uma análise de documento em um processo licitatório... Eu acho que haveria uma dificuldade prática muito grande para se colocar em discussão.

Sob um outro aspecto, temos que ver o seguinte também: É claro que a população teria, quando se trata de corrupção, a tendência por condenações, talvez algumas até inconsequentes. Só de falar do corrupto, ainda mais no estágio em que vivemos no Brasil, a propensão condenatória seria muito grande. Eu não quero um júri com propensão condenatória. Eu quero um júri justo, eu quero um júri equilibrado, eu quero um júri em que o conselho de sentença escute o que o advogado tenha a dizer, para que seja um julgamento democrático. Eu não quero um jurado com propensão a julgar do jeito A ou do jeito B. Eu acho que o júri, para os crimes de corrupção, embora pareça interessante e sedutor em um primeiro momento, talvez não tivesse o resultado prático mais adequado em termos de justiça penal.

CONFRARIA DO JÚRI - Recentemente, o Ministério Público de São Paulo abraçou a bandeira para que se aprovasse o crime de feminicídio, criando uma qualificadora específica para o homicídio. É um tema polêmico. O próprio Edilson Mougenot Bonfim, que é do Ministério Público de São Paulo, me concedendo entrevista aqui neste mesmo lugar, antes da aprovação do Feminicídio, posicionou-se contrariamente, porque entendia que o Código Penal já possuía condições de punir, com maior rigor, réus em casos assim (clique aqui e relembre a entrevista completa de Edilson Mougenot Bonfim neste site). Na sua opinião, agiu bem o legislador ao inserir o feminicídio no Código Penal ou não era necessário?

MÁRCIO FRIGGI - Eu concordo apenas em parte com o Dr. Edilson, com o mais absoluto respeito. De fato, o feminicídio, no mais das vezes, era antes desta Lei 13.104/15, subsumido normalmente à qualificadora do motivo torpe. Aquele que age impelido por razões de gênero, age movido por sentimentos de possessividade em relação à mulher e esse sentimento traduz, de regra, a motivação torpe. De fato, neste aspecto, nós tínhamos alguma possibilidade de encaminhamento neste sentido e já tínhamos lei para resolver este problema.

A parte que eu discordo é a seguinte: primeiro, o Brasil se comprometeu, do ponto de vista internacional, a punir, eficazmente, o crime de gênero. A ONU recomendou que o feminicídio fosse incorporado em legislações ao redor do mundo. Argentina já tinha feminicídio, México já tinha feminicídio. Salvo engano, a Guatemala já tinha feminicídio... Havia legislações da América do Sul e Central resolvendo o problema dessa maneira.

Qual a importância de existir uma qualificadora com nome próprio, com uma rubrica específica? É você nominar, especificamente, um fenômeno que não é igual ao homicídio normal. É um fenômeno diferente. É um fenômeno que demanda um olhar próprio. Eu só consigo ter um olhar próprio para as coisas, se elas têm um nome, um título específico. Por isso que eu acho interessante a proposta no sentido de traduzir um olhar diferente. Quando eu tenho o feminicídio, eu tenho um alvo que difere do homicídio. Embora nada mais seja, em termos de natureza jurídica, do que uma qualificadora do homicídio, eu tenho um fenômeno que demanda uma leitura própria.

A violência de gênero normalmente é pautada por um histórico de violências, que acaba culminando no homicídio. Normalmente, se parte de agressões verbais, físicas até chegar a este ponto. E o mais importante: a tese de defesa típica para este tipo de crime é “privilégio”: porque a mulher traiu, porque a mulher não quis reatar, enfim. Coloca-se a questão emocional como bandeira maior para fins de execução desse tipo de crime, desse tipo de homicídio.

Eu tenho condições de, com o feminicídio, explicar para o jurado: homicídio privilegiado, crime passional não são feminicídio, são coisas distintas. Isso é argumento de retórica, argumento de defesa, para fins de descaracterizar o que, na verdade, tem uma roupagem diferente. Então fica mais fácil separar o que é passional do que é um homicídio qualificado: o feminicídio nada mais é do que um homicídio qualificado. Parece-me que a leitura fica com uma base mais sólida no sentido de demonstrar essa separação. Essa alteração legislativa é boa, é bem vinda.

CONFRARIA DO JÚRI - A legislação de trânsito sofreu alteração recente, pela Lei 12.971, que, para alguns, atrapalharia a denúncia por dolo eventual em homicídios envolvendo direção de veículos. Na sua visão, dificultou para o Ministério Público a aplicação da tese de dolo eventual para homicídios de trânsito?

MÁRCIO FRIGGI - Não a reforma pontualmente. O dolo eventual é sempre um tormento do ponto de vista probatório, independentemente da questão de trânsito. A caracterização do dolo eventual está nos limites com a similitude das questões de culpa consciente. Sempre vai ser muito difícil. Não vejo que pontualmente esta alteração tenha dificultado.

O quadro permanece o mesmo: é preciso reunir condições objetivas suficientes que façam a prova de algo subjetivo, que é o dolo eventual. Jamais o réu vai dizer que assumiu o risco e que não estava nem aí com o resultado morte. Nem no dolo direto a gente, no mais das vezes, tem a confissão. Algumas vezes tem... Mas, de dolo eventual, eu nunca vi confissão e nunca vai ter: ou o sujeito confessa que matou porque quis ou vai dizer que não teve a intenção e aí nós vamos estar nesta zona nebulosa.

Independentemente de qualquer formatação legislativa, o drama é o mesmo: agregar circunstâncias que me levem a um nível de gravidade em que eu vou dizer ‘esta condição é dolo eventual’. Eu nunca vou provar que o sujeito assumiu o risco e, agindo egoisticamente, não estava nem aí para o resultado. Não vou provar isso. Eu vou equiparar uma condição objetiva a um patamar tal de desprezo com a vida humana para que eu possa dizer: isso aqui é dolo eventual.


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