- O réu diante do júri: precedentes do STJ sobre algemas, roupas e a postura do acusado em plenário
STJ
No tribunal do júri, onde são julgados os crimes dolosos contra a vida, o destino do réu é decidido por sete jurados populares, sob a condução de um magistrado e com a participação do Ministério Público (MP) na acusação. Diferentemente de outros julgamentos, nesse cenário, a proximidade entre o acusado e quem o está julgando, mais o fato de serem julgadores leigos, torna o processo especialmente sensível, já que a postura, a aparência e outros detalhes da apresentação do réu podem influenciar o veredicto.
Para assegurar que o julgamento ocorra de maneira justa e imparcial, em consonância com as garantias constitucionais da ampla defesa e da presunção de inocência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem estabelecido parâmetros em questões que vão do uso de roupas e algemas à maneira como o acusado deve permanecer diante dos jurados.
Uso de algemas durante a sessão pode anular o julgamento
Em 2017, no julgamento do AREsp 1.053.049, a Sexta Turma, por maioria, anulou uma sessão do tribunal do júri porque o réu, acusado de homicídio, foi mantido algemado durante todo o julgamento. Para o ministro Sebastião Reis Júnior, cujo voto prevaleceu no julgamento, a presunção de inocência não permite que o acusado seja apresentado como alguém já definitivamente condenado.
De acordo com o processo, o réu – acusado de matar o próprio tio – foi obrigado a permanecer algemado durante a sessão do júri, sob a justificativa judicial de que o efetivo da Polícia Militar era insuficiente para garantir a segurança de todos. Após a condenação, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para que o julgamento fosse anulado, mas a corte negou o pedido.
No recurso ao STJ, a defesa argumentou que o TJSP se limitou a afirmar que o uso de algemas seria excepcional, sem analisar se estavam presentes os requisitos necessários para justificar a medida. Sustentou ainda que o fórum contava com policiamento adequado e suficiente, e que o resultado do julgamento poderia ter sido diferente caso os jurados não tivessem sido influenciados pela imagem do acusado ilegalmente algemado.
O ministro Sebastião Reis Júnior reconheceu a nulidade do júri e determinou que o acusado fosse submetido a novo julgamento em plenário, dessa vez sem algemas, salvo a existência de motivo capaz de justificar a medida.
Invocando precedente do próprio STJ em que um julgamento foi anulado porque o réu permaneceu algemado durante a sessão, o ministro salientou que não se pode ignorar a presunção de inocência nem contornar o rigor da Súmula Vinculante 11 por meio de justificativa genérica e abstrata, possível de ser aplicada a todos os casos.
Em seu voto, o ministro enfatizou que a manutenção do réu algemado só é legítima quando há risco real de fuga ou à segurança dos presentes, e não, simplesmente, quando ele está sendo julgado por crime hediondo. O simbolismo do uso das algemas – acrescentou – é especialmente relevante em julgamentos perante jurados leigos, podendo influenciar de forma indevida a percepção a respeito do acusado.
No caso em análise, conforme Sebastião Reis Júnior, é importante considerar ainda que foi facultado ao réu o direito de recorrer em liberdade, mesmo condenado – "fato que, por si só, demonstra ausência de periculosidade e, por conseguinte, ausência de motivo para que permanecesse algemado durante seu julgamento".
Réu tem o direito de ficar de frente para o corpo de jurados
Sob a relatoria da ministra Daniela Teixeira, a Quinta Turma, no AgRg no HC 768.422, definiu que é passível de anulação o julgamento realizado pelo tribunal do júri quando o réu permanece sentado de costas para os jurados durante a sessão. O colegiado entendeu que tal conduta é inadmissível, pois contraria o princípio da presunção de inocência, garantido a todo cidadão em julgamento, e determinou que o acusado fosse submetido a novo julgamento.
A decisão foi em um caso no qual o advogado de defesa, antes do início do interrogatório do réu, solicitou ao juízo que ele ficasse de frente, permitindo contato visual com os jurados. O pedido foi negado, e o TJSP não reconheceu a nulidade, o que levou a defesa a entrar com habeas corpus no STJ.
Ao analisar o pedido, a ministra Daniela Teixeira comentou que o julgamento do tribunal do júri pode se prolongar por muitas horas, período em que os jurados acompanham atentamente os ritos processuais, a atuação dos advogados e, sobretudo, a postura do acusado, que permanece exposto às suas percepções até a decisão final.
Para a ministra, o prejuízo à defesa se confirmou tanto pelo desrespeito ao princípio da presunção de inocência quanto pela condenação imposta após a deliberação do conselho de sentença. A relatora apontou que, ao permanecer de costas para os julgadores, o acusado foi privado de um tratamento condizente com a presunção de inocência e a dignidade que devem ser asseguradas a qualquer cidadão em julgamento.
Daniela Teixeira também destacou o precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que deu origem à Súmula Vinculante 11. Para a magistrada, a súmula impede qualquer forma de constrangimento oficial a réus no tribunal do júri, regramento que deveria ter sido observado no caso em análise.
"Não existe previsão legal e regulamentar para deixar os acusados de costas, mesmos nos julgamentos do crime organizado, de acordo com a Lei 12.694/2012 e com a Recomendação 77/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)", disse.
Mera referência ao silêncio do acusado em plenário não enseja nulidade
No julgamento do AREsp 2.773.066, por unanimidade, a Quinta Turma reafirmou o entendimento de que a mera referência ao silêncio do acusado, sem exploração do tema para influenciar o julgamento, não acarreta nulidade.
O colegiado negou provimento ao recurso interposto contra o acórdão do TJSP que manteve a condenação de um homem por homicídio qualificado. A defesa sustentava que a promotora de justiça teria tentado induzir os jurados a interpretarem o silêncio do réu como indicativo de culpa – prática vedada pela legislação.
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, lembrou que a menção ao silêncio do acusado, em seu prejuízo, no plenário do tribunal do júri é procedimento vedado pelo artigo 478, inciso II, do Código de Processo Penal (CPP). Segundo o magistrado, entretanto, a mera referência ao silêncio, sem exploração do tema – como ocorreu na hipótese dos autos –, não enseja nulidade.
O ministro, com base no acórdão impugnado, assinalou não haver nenhuma evidência de que a acusação tivesse se aproveitado do silêncio do réu de forma pejorativa. Para ele, a defesa também não indicou especificamente nenhuma declaração do MP que, ao fazer referência ao silêncio, pudesse ter prejudicado o réu.
Réu não pode ser obrigado a usar uniforme de presidiário durante a sessão
Em outro julgamento de destaque (HC 778.503), a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu: é nula a determinação que impede, de forma genérica, o réu de se apresentar ao plenário do júri com roupas civis. Para o colegiado, vestir roupas sociais durante o julgamento é um direito do acusado e não representa risco à segurança, já que há policiamento ostensivo nos fóruns.
Com esse entendimento, os ministros concederam habeas corpus para anular a sessão do tribunal do júri em que o réu, acusado de homicídio qualificado, foi obrigado a usar uniforme do presídio.
No caso, o juiz que presidia o júri negou ao acusado o direito de usar roupas próprias, sustentando que o uniforme prisional é obrigatório tanto para condenados quanto para presos provisórios, e que sua utilização não comprometeria a defesa. A decisão foi referendada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que também entendeu não haver prejuízo à defesa. Ao STJ, a defesa afirmou que não se pode restringir o direito ao uso de roupas civis sem motivo realmente relevante.
A relatora do habeas corpus, ministra Daniela Teixeira, destacou que os jurados formam sua convicção de maneira íntima, sem necessidade de fundamentação, o que torna a sessão do júri especialmente sensível a simbolismos capazes de influenciar a decisão. Por isso, a ministra realçou que garantir que o acusado possa se apresentar com roupas sociais é uma forma de assegurar sua dignidade e evitar estigmas que possam comprometer a imparcialidade do julgamento.
De acordo com a relatora, é possível aplicar ao caso as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, conhecidas como Regras de Mandela, as quais dispõem que, "em circunstâncias excepcionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que não chamem atenção".
Preso de altíssima periculosidade pode ser interrogado por videoconferência
Ao julgar o RHC 181.653, sob a relatoria da ministra Laurita Vaz (aposentada), a Sexta Turma definiu que a classificação do preso como de altíssima periculosidade justifica a realização de seu interrogatório por meio de sistema integrado de videoconferência. Segundo a relatora, essa medida não implica constrangimento ilegal nem cerceamento do direito do acusado de estar fisicamente presente no julgamento perante o conselho de sentença.
Conforme consta dos autos, o réu, identificado como chefe do tráfico em uma favela, foi acusado de ordenar a morte de um policial militar. Na sessão plenária do júri, sua participação foi por videoconferência, devido ao fato de ter sido classificado como réu de altíssima periculosidade.
O recurso ao STJ alegou cerceamento de defesa, ao fundamento de que impedir a participação presencial do acusado na sessão do júri, com base em sua "suposta alta periculosidade", configuraria inaceitável constrangimento ilegal.
Em seu voto, a relatora afirmou que as peculiaridades do caso apontadas pelas instâncias ordinárias não evidenciavam constrangimento ilegal por cerceamento de defesa. Ela ressaltou que a utilização da videoconferência assegura o acompanhamento integral do julgamento e permite a comunicação em tempo real entre o réu e seu defensor, preservada a privacidade. Frisou ainda que todos os jurados devem estar presentes na sessão de julgamento, o que garante o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Por fim, Laurita Vaz lembrou que o parágrafo 2º do artigo 185 do CPP admite, sem qualquer ressalva quanto aos procedimentos do tribunal do júri, que o interrogatório do réu preso seja realizado por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de som e imagem em tempo real, desde que a medida seja necessária para prevenir risco à segurança pública.