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21/10/2025  - 6ª turma do STJ veta uso de carta psicografada como prova em Júri
 
Site Migalhas

Colegiado entendeu que o documento não possui credibilidade racional e científica e impede o contraditório.

A 6ª turma do STJ, por unanimidade, declarou inadmissível a utilização de carta psicografada juntada aos autos de processo que apura homicídio ocorrido no Mato Grosso do Sul. Para o  colegiado, esse tipo de documento não pode ser admitido como meio de prova em processos judiciais, por falta de confiabilidade racional e científica.

O caso envolve um homem denunciado por três homicídios, um consumado, com erro na execução, e dois tentados. Durante a investigação, uma testemunha afirmou ter atuado como médium e psicografado mensagens supostamente enviadas pela vítima fatal. 

A carta psicografada trazia mensagens do suposto espírito da vítima a um amigo, pedindo que avisasse aos pais que "podiam descansar em paz" e que "não era ele o destinatário daquele ataque". O texto mencionava um apelido de pessoa relacionada ao acusado e apontava que o crime teria ocorrido por engano.

No processo, foram anexados manuscritos atribuídos à vítima e depoimento da mãe da testemunha. A perícia grafotécnica confirmou a autenticidade da letra da testemunha, mas não atestou qualquer origem sobrenatural.

Sustentações orais

Em sessão nesta terça-feira, 21, o procurador da República Uendel Domingues Ugatti defendeu a possibilidade de utilização de carta psicografada como prova no processo.

Ugatti ressaltou que a discussão central não deve girar em torno da licitude da carta, já que não há lei que proíba seu uso, mas sim de sua admissibilidade, ou seja, se ela é apta a demonstrar um fato com credibilidade. Citando precedentes do STJ, mencionou que uma prova pode ser lícita, mas não necessariamente admissível, e defendeu que não há ilicitude em prestigiar a liberdade de crença.

Nesse sentido, afirmou que, no caso concreto, a denúncia não se baseou na carta, mas em um conjunto probatório formado por depoimentos, perícias e outras provas, sem qualquer dependência do documento espiritual.

Também argumentou que, no tribunal do Júri, a avaliação de provas, inclusive as de cunho religioso, pertence aos jurados, e que seria um "paternalismo epistêmico" retirar-lhes essa competência.

Por fim, pediu que eventual precedente do colegiado assegure paridade de armas, permitindo o uso da carta psicografada tanto pela defesa quanto pela acusação.

Já o advogado Tiago Vinicius Rufino Martinho, defensor do réu, sustentou que a carta psicografada teve influência direta na investigação e no desenvolvimento da ação penal. Segundo ele, o documento serviu de ponto de partida para a linha investigativa adotada, tendo motivado a oitiva de diversas pessoas e conduzido o MP à tese do erro na execução quanto à pessoa da vítima.

Assim, o defensor afirmou que, diferentemente do que sustentou o parquet, a carta foi essencial à construção da acusação, sendo utilizada para corroborar a versão acusatória e influenciar o juízo, a ponto de o promotor de Justiça arrolar uma "testemunha da psicografia" e submeter o documento a perícia grafotécnica "como utilização de uma tática para dizer que há algo científico em aquilo que não há".

Martinho também argumentou que o uso da carta pela acusação viola o contraditório, pois não há como a defesa refutar um conteúdo que não se refere a fatos concretos.

"Como se faria ou como se contraditaria essa prova? Pediria este advogado a presença de um médium em plenário para psicografar uma outra carta refutando essa? O que se tornaria esse Tribunal do Júri? ", questionou.

Para ele, admitir a carta como prova afronta o princípio da laicidade do Estado, já que permitiria a interferência da religião em assuntos de Estado e na liberdade individual.

"A religião deve ter a finalidade de trazer paz às pessoas, de trazer conforto,  e não se misturar aos assuntos de Estado a ponto de interferir diretamente no resultado de processos criminais", ressaltou.

A defesa ainda destacou que a natureza da carta psicografada não é de documento, mas de uma declaração escrita, o que atrai a incidência do art. 213 do CPP, que veda que a testemunha leve aos autos impressões pessoais, devendo narrar apenas fatos.

"E que fato há narrado numa carta psicografada, senão a própria experiência pessoal, religiosa, daquele que a subscreve?", indagou. Diante disso, o advogado acrescentou que se trata de uma impressão pessoal, incapaz de produzir prova válida, e que, por meio da fé, esse tipo de conteúdo pode influenciar os jurados e afetar o resultado do julgamento.

Por fim, concluiu que a carta influenciou todas as etapas da persecução penal, desde a investigação até a fase atual, e pediu o provimento do recurso para que o STJ reconheça a ilicitude da prova e das provas dela derivadas, declarando a nulidade desde sua admissão.

Voto do relator

Em voto, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que, no sistema de livre apreciação da prova, como regra, não há hierarquia prévia entre os meios de prova, tampouco o valor pré-determinado por lei para cada meio de prova. Conforme afirmou, a regra é a admissibilidade de todas as provas relevantes, desde que lícitas, para o acertamento dos fatos. 

Para o relator, sob o marco da concepção racionalista, a liberdade de apreciação da prova deve ser preenchida por critérios racionais de apuração dos fatos, a fim de evitar a substituição do arbítrio legislativo pelo arbítrio judicial. Assim, a admissibilidade da prova no processo judicial é condicionada a que, além de não ser ilegal, a prova seja epistemicamente confiável e tenha um mínimo potencial cognoscitivo para demonstrar o enunciado de fato alegado e que se visa aprovar.

Nesse sentido, o relator destacou que, embora a carta psicografada seja uma prova irrelevante do ponto de vista lógico e epistêmico, ela não é ilícita, pois sua produção não viola normas processuais ou materiais. No entanto, por poder induzir o corpo de jurados a conclusões irracionais, deve ser desentranhada dos autos.

Segundo Schietti, a carta psicografada não pode ser admitida como meio de prova por carecer de idoneidade epistêmica, vez que o sistema de livre apreciação da prova exige critérios racionais e confiáveis para a apuração dos fatos, e a psicografia, por se tratar de ato de fé, não possui fundamento científico que a torne apta a demonstrar fatos em juízo.

No caso concreto, o relator observou que a denúncia se baseou no documento, ressaltando que, ainda que tais elementos possam servir como notícia de crime, não são admissíveis como prova dos fatos alegados.

"A verdade depende de uma possibilidade de refutação, e nós não temos como refutar uma prova psicografada porque não há fonte dessa prova que possa ser objeto de refutação."

Diante disso, votou pelo provimento ao recurso para declarar a inadmissibilidade da carta e das provas dela decorrentes, determinando que o juízo de origem reanalise a pronúncia, excluindo e ajustando os depoimentos que façam referência à psicografia.

Ressalva

O ministro Carlos Pires Brandão acompanhou o relator, mas demonstrou preocupação quanto à possibilidade de que, quando a defesa apresente a carta, esse documento possa constar dos autos.

No caso concreto, o ministro ressaltou que a própria defesa levantou o tema e requereu expressamente o desentranhamento dos elementos relacionados à psicografia, afirmando não pretender utilizá-los nem como prova nem como argumento. Para S. Exa., o pedido foi "juridicamente eloquente" e revelou que, na avaliação estratégica da defesa técnica, a permanência do material nos autos seria mais prejudicial do que benéfica.

Ainda assim, Brandão observou que o Brasil é um país culturalmente diverso e que o Tribunal do Júri reflete essa pluralidade, ressaltando que a rejeição da carta poderia privar o júri de um aspecto representativo dessa diversidade cultural nos casos em que o documento pudesse servir à defesa.

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