- CNJ: Ciclo de Diálogos da Lei Maria da Penha destaca necessidade de articulação da rede de proteção e novas estratégias contra a violência à mulher
CNMP
Protocolos de atuação unificados, capacitação, governança das redes de atendimento e acolhimento qualificado foram algumas das soluções apontadas por autoridades na abertura do Ciclo de Diálogos da Lei Maria da Penha – 2025, realizado nesta quarta-feira, 27 de agosto, no Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília. O encontro reuniu conselheiros, ouvidores do Ministério Público, procuradores-gerais de Justiça e representantes do Executivo e do Judiciário, em um esforço coletivo de fortalecimento da rede de enfrentamento da violência contra a mulher.
Promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF) em parceria com a Ouvidoria Nacional do Ministério Público, a iniciativa foi transmitida ao vivo pelo canal do CNMP no YouTube.
A ouvidora nacional do MP, conselheira Ivana Cei, abriu o evento destacando que o encontro representa mais que uma agenda institucional. “Este espaço, mais que um encontro, é uma convocação para refletirmos sobre a força da rede de proteção e sobre a nossa corresponsabilidade diante da violência que tantas mulheres ainda sofrem em nosso país”. Ela destacou o papel central das Ouvidorias do MP, que funcionam como “portas abertas para a escuta qualificada”, e que cada denúncia não será em vão, “será instrumento para a construção de justiça e para o aperfeiçoamento das políticas públicas”.
A conselheira enfatizou que a Lei Maria da Penha representa um marco civilizatório e que sua efetividade não se esgota nos tribunais, exigindo presença ativa do Estado em todos os espaços da vida social. “E é nesse ponto que as Ouvidorias desempenham um papel estratégico: articulam demandas da sociedade com as respostas institucionais, garantindo que a letra da lei se converta em proteção real”, afirmou.
Representando o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF), a membra auxiliar Andrea Teixeira de Souza reforçou que o ciclo de diálogos é uma oportunidade de troca de experiências para aprimoramento do trabalho cotidiano . Segundo ela, é essencial “impulsionar e fiscalizar políticas públicas relacionadas ao enfrentamento da violência contra a mulher, não só a doméstica, mas qualquer tipo de violência”, além de compartilhar boas práticas para aprimorar a atuação cotidiana do Ministério Público.
O corregedor nacional do MP, Ângelo Fabiano Farias da Costa, lembrou que a proteção das mulheres está entre os temas prioritários da Corregedoria. Ele destacou a criação, no ano passado, do selo “Respeito e Inclusão no Combate ao Feminicídio”, voltado à capacitação de membros do MP, e a importância de enfrentar também a violência política de gênero e a violência institucional. Fabiano citou ainda a necessidade de atenção aos órfãos do feminicídio, à assistência social e à educação da mulher como fatores de emancipação e rompimento do ciclo de violência.
Já a conselheira Cintia Brunetta, presidente da Comissão de Defesa da Probidade Administrativa (CDPA), trouxe o olhar da governança para a discussão. Para ela, o fortalecimento das redes depende da fixação de metas e da articulação entre os diferentes poderes. “Só temos 11 Casas da Mulher Brasileira instaladas no país e ainda poucos centros de referência. Mesmo quando há leis importantes, como a 14.899/2024, muitas vezes elas não são conhecidas. Pensar em governança dessas redes pode ser o caminho para avançar”, afirmou, defendendo projetos-piloto regionais para consolidação das iniciativas. A Lei nº 14.899/2024, que vigorou até junho de 2025, estabeleceu a criação e a execução de planos de metas para fortalecer e integrar as redes de enfrentamento e atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Crime evitável
Ainda na abertura do Ciclo de Diálogos, o procurador-geral de Justiça Militar, Clauro Roberto de Bortolli, apresentou dados que apontam para o crescimento da preocupação com a violência de gênero no âmbito das Forças Armadas. De acordo com ele, os crimes sexuais são a quarta causa de representação para indignidade do oficialato, ou seja, quando o oficial se torna indigno e perde o seu posto e sua patente. Ele relatou que, até 2017, o Ministério Público Militar (MPM) não dispunha sequer de dados sobre o tema.
“Ligamos a luz amarela que rapidamente se transformou numa luz vermelha”, disse Bortolli, alertando para o cenário sensível com a entrada de jovens mulheres na base da hierarquia militar a partir do ano que vem, com o serviço militar voluntário feminino. “Nós estamos com um cenário sensível, que vai demandar um esforço hercúleo do MPM e nós não podemos ficar de fora dessa articulada rede de enfrentamento da violência feminina, pois ela acontece também no seio das forças armadas”, disse. Para enfrentar o desafio, ele destacou a criação de estruturas especializadas como a Ouvidoria das Mulheres, a Secretaria de Direitos Humanos e Humanitários, a Secretaria das Vítimas e o lançamento do Protocolo de Atuação do Ministério Público Militar com Perspectiva de Gênero.
Representando a ministra das Mulheres, Marcia Helena Carvalho Lopes, a ouvidora do Ministério das Mulheres, Ana Paula Daltoé Barbalho, trouxe dados preocupantes do Anuário de Segurança Pública de 2024: 87.545 estupros notificados e 1.492 feminicídios em 2024, os maiores índices desde que o crime passou a ser tipificado em 2015. “Infelizmente, o combate à violência contra as mulheres ainda precisa ser diuturnamente reiterado. As mulheres não estão seguras em nenhum espaço”, afirmou. Ela defendeu medidas práticas, como protocolos unificados, salas de acolhimento e checklists para facilitar os encaminhamentos, evitando a revitimização. Ana Paula lembrou que o feminicídio é um crime evitável: “antes de cometer a violência, o agressor deu sinais. Se conseguirmos antecipar esse cenário, talvez ele não se torne um feminicida e possa ser recuperado em grupos reflexivos”.
A juíza federal Denise de Melo Moreira, ouvidora da Mulher do Superior Tribunal Militar, ressaltou a importância de as Ouvidorias transbordarem seu compromisso social para além das instituições. Ela lembrou que a Ouvidoria das Mulheres no STM foi criada em 2022, por recomendação do CNJ, e parabenizou a Ouvidoria Nacional do MP pela articulação com outros órgãos e com a sociedade civil.
Programação
Após a abertura, o evento foi dividido teve uma parte teórica e uma parte prática, com palestras de especialistas e membros do Ministério Público. A primeira palestra foi da promotora de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Ivana Machado Battaghin, que falou sobre as “Alterações legislativas e práticas inovadoras” na temática de proteção à mulher. A mesa foi presidida pela membra auxiliar Andrea Teixeira de Souza.
Em seguida, o promotor de Justiça no Ministério Público do Paraná (MP/PR) Thimotie Heemann palestrou sobre “Atuação articulada em rede”, com mediação da conselheira Ivana Cei e da membra auxiliar Andrea Teixeira.
Ao longo das falas, os palestrantes reforçaram que o enfrentamento da violência contra as mulheres não é tarefa isolada, mas missão coletiva, que demanda atuação conjunta do Estado, das instituições e da sociedade civil. A realização do Ciclo de Diálogos integra o calendário de ações institucionais do CNMP em defesa dos direitos das mulheres, especialmente no mês de agosto, quando se comemora o aniversário da Lei Maria da Penha.