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21/07/2009  - Entrevista: Promotor César Danilo e a nota zero para a reforma do Júri gerada pela Lei 11.689
 
Confraria do Júri – Antônio Lemos Augusto

O promotor de Justiça, César Danilo Ribeiro de Novais, está há cinco anos no Ministério Público, atualmente atuando na comarca de Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. Ele critica duramente a reforma do CPP em relação ao Tribunal do Júri, realizada pela Lei 11.689/08: “A lei expressa a tendência brasileira ao laxismo penal”, diz. Sobre a ampliação da competência do Tribunal do Júri, prefere o sistema atual, considerando inclusive o novo modelo do Júri que, pela quesitação genérica, favorece a impunidade. Defensor do Tribunal do Júri, enfatiza: “O promotor e os jurados têm a chance de transformarem a ritualização da morte em celebração da vida, condenando o culpado e absolvendo o inocente”. A seguir, a entrevista com o promotor de Justiça, César Danilo Ribeiro de Novais, vice-presidente da Associação dos Promotores do Júri.

Confraria do Júri – A reforma do CPP que alterou grande parte da prática do Tribunal do Júri completa um ano de vigência em agosto. Como o senhor lida com o novo sistema de quesitação genérica? Ele dificulta o trabalho do promotor em caso de recurso de apelação? Caso o modelo atual não esteja sendo eficiente, qual seria a melhor adequação?



César Danilo Ribeiro de Novais - É impossível imaginar melhor meio de absolver um culpado que o quesito genérico, embora ele em nada beneficie o inocente. O quesito “O jurado absolve o acusado?” é bastante amplo, alcançando todas as teses da defesa que não se relacionam com a materialidade, a autoria e a participação. O legislador, ao que parece, ultrapassou os limites do princípio da plenitude da defesa, ferindo o princípio da paridade de armas. Foi ressuscitada a tese da perturbação dos sentidos tão combatida no passado e, por que não dizer, institucionalizada a tese da piedade à pessoa do réu. O promotor deve protestar para que o juiz-presidente inclua todas as teses defensivas na ata de julgamento para se resguardar no caso de apelação. Um dos maiores problemas surge no caso da defesa sustentar unicamente a tese da negativa de autoria, tese esta decidida pelos jurados quando da votação do segundo quesito. Tenho pra mim que, nesta hipótese, o quesito genérico resta prejudicado. Do contrário, haverá violação ao princípio da paridade de armas e mitigação da defesa social, sem falar no risco de ocorrência de contradição gritante. É sempre bom lembrar que, ao supervalorizar a defesa em detrimento do MP, está-se, na verdade, ferindo a própria sociedade.

Confraria do Júri – A Lei 11.689/08 provoca polêmica em relação ao texto do art. 478, I, que veda referências pelas partes a determinadas peças. Qual interpretação que o senhor dá a este dispositivo?

César Danilo Ribeiro de Novais - Totalmente inconstitucional. Tive a oportunidade de escrever sobre o tema no primeiro volume da obra Cadernos do Júri. Em síntese, defendo a posição de que o dispositivo fere de morte a liberdade de expressão das partes litigantes. Ora, é vedado ao legislador impedir que o promotor e o defensor levem ao conhecimento dos jurados todos os atos e fatos concorrentes no processo criminal em julgamento ou proscrever o emprego da boa argumentação jurídica, técnicas de persuasão, psicologia judiciária e lógica. As partes têm inteira liberdade de interpretarem as provas, os atos e fatos processuais, as situações circundantes ao julgamento; enfim, tirarem as conclusões que entenderem plausíveis. Ao adversário incumbirá demonstrar aos jurados a inconsistência da tese contrária. O legislador errou ao instituir tal vedação. Mas vale ressaltar que incumbe ao magistrado, de ofício ou a requerimento das partes, efetuar o controle difuso de constitucionalidade das leis, devendo, no caso, declarar o art. 478 do CPP como norma inconstitucional.

Confraria do Júri – Na prática, a nova lei reduziu o tempo das sessões do Júri? Neste caso, o fim da leitura exaustiva de peças contribuiu para esta dinâmica? E como o senhor analisa a mudança do tempo de debates?

César Danilo Ribeiro de Novais - Com a reforma, as partes e os jurados só poderão requerer a leitura das provas colhidas via precatória e das provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis (§3º do art. 473 do CPP). Sem dúvida que esta modificação agilizou o julgamento. A título de curiosidade, num julgamento que atuei, antes da reforma, a defesa protestou pela leitura de todo o processo, detalhe que este era constituído de quatro volumes, quase mil páginas. Foram horas e horas de leitura e muito sono.

No que tange ao tempo, preferia o sistema antigo. Com mais tempo na sustentação da tese ministerial, amiúde dispensava a réplica. Sem falar que a defesa, agora, tem mais tempo na tréplica, inclusive, para fins da odiosa inovação de tese. O promotor tem que estar vigilante.

Confraria do Júri – O fim do protesto por novo júri, imposto pela reforma, trouxe para a mídia a impressão de que a Lei 11.689/08 teria uma postura mais rigorosa em face do réu. É verídica esta noção? Há outros elementos da Lei 11.689/08 que contribuem para a redução de sentimento de impunidade?

César Danilo Ribeiro de Novais - A lei expressa a tendência brasileira ao laxismo penal. Valer dizer, tudo para o réu e nada para a sociedade. O protesto por novo júri já estava cheirando à naftalina. Ouso afirmar que sequer fora recepcionado pela Constituição de 88, já que colidia frontalmente com o princípio da soberania dos veredictos. No mais, a nova lei, ao contemplar a quesitação genérica, fomentou a bandeira da impunidade. Vou dar um exemplo da vida prática: No cotidiano do Júri, observa-se que as teses defensivas em plenário sempre cativam pelo menos um jurado, por mais culpado que seja o réu. Assim, um dos juízes de fato entende que o acusado agiu em legítima defesa real; o outro, em legítima defesa putativa; outro acredita na negativa de autoria; e o outro perdoa o réu. Pela quesitação tradicional, sem a concentração atual, a hipótese descrita resulta em condenação por 6 a 1, porque cada alegação é objeto de perguntas específicas. Com quesito concentrado, exatamente o mesmo caso gera absolvição por 4 a 3. Não tem forma melhor que absolver um culpado.

Confraria do Júri – Que nota, de 0 a 10, o senhor daria à Lei 11.689/08, após onze meses de vigência? Para dar esta nota, quantas sessões, aproximadamente, o senhor participou desde agosto de 2008, já dentro da vigência da nova legislação?

César Danilo Ribeiro de Novais - Preferia o sistema antigo. Conforme diz o promotor paulista e professor Edilson Mougenot Bonfim, faltou legisprudência ao congresso nacional. Não obstante isto, os índices de acolhimento da tese do Ministério Público nos julgamentos que participei continuam os mesmos. Não vi mudança alguma em benefício da sociedade por parte da reforma do Júri. Portanto, dou nota zero. Perdeu-se uma grande chance de aprimorar a instituição mais democrática do Poder Judiciário. Esperamos nova mudança, para melhor é claro, já que se encontra em discussão o projeto do novo CPP no Senado.

Confraria do Júri – Apesar da Lei 11.689/08 ainda não ter um ano do fim de sua vacatio legis, outras propostas estão em discussão no Congresso Nacional sobre o Tribunal do Júri. Uma delas é o aumento da competência do Tribunal, hoje restrita aos crimes dolosos contra a vida. O senhor é favorável à ampliação da competência do Tribunal do Júri? Neste caso, para quais delitos? A ampliação da competência não pode ser interpretada como restrição dos direitos e garantias individuais, já que a competência do Tribunal do Júri é ditada pelo artigo 5º, CF?

César Danilo Ribeiro de Novais - A competência do Tribunal do Júri, segundo a doutrina pátria, é mínima: crimes dolosos contra a vida e crimes conexos. Isto significa dizer que pode sim ser ampliada, sem que haja violação à chamada cláusula pétria. É interessante frisar que tramita no Congresso Nacional PEC, cujo autor é o senador Eduardo Suplicy, no sentido de estender a competência do Júri para julgar atos de improbidade administrativa. Particularmente, entendo ser de bom alvitre que a competência permaneça na forma em que está, tendo em vista o novo sistema que implantou a quesitação genérica, mais um artifício para a impunidade.

Confraria do Júri – Outra proposta em debate sobre o júri é a ampliação do número de jurados para oito e, em caso de empate na votação, a absolvição do réu. Qual a opinião do senhor?

César Danilo Ribeiro de Novais - Irrazoável. Querem criar outra porta para a impunidade. O Conselho de Sentença, por ser órgão colegiado, deve ter número ímpar de componentes. Isto decorre da lógica.

Confraria do Júri – Na comarca onde o senhor atua, como está a demanda por sessões do Júri em relação a réus soltos? Em média, para cada sessão com réu solto, há quantas sessões para réu preso?

César Danilo Ribeiro de Novais - De cada cinco júris, um é réu preso. A verdade é que poucos são os homicidas que permanecem presos até o julgamento. De regra, são agraciados por habeas corpus. É o desvalor da vida. Os tribunais muitas das vezes, ao conceder ordem de habeas corpus, dão indicação de que nós estamos convivendo com a banalidade do mal e a irrelevância da vida.

Confraria do Júri – Como o senhor define o instituto do Tribunal do Júri?

César Danilo Ribeiro de Novais - O Júri é a porta de entrada da democracia no Poder Judiciário. Povo vendo povo julgar povo! Há povo na platéia, porque somente no Júri o julgamento é visto por interessados na causa, por estudantes, por curiosos, pela imprensa ou por quem mais queira acudir à sessão pública; há povo julgando, porque os juízes ali são representantes comuns da sociedade, sem toga e, em regra, sem grau de bacharel; e há povo sendo julgado, aquele que violou ou não a norma penal.

Confraria do Júri – O senhor tem quanto tempo de Ministério Público? Tem uma estimativa de quantas sessões do Tribunal do Júri já participou? Há alguma sessão em especial que gostaria de relatar brevemente?

César Danilo Ribeiro de Novais - Tenho cinco anos de Ministério Público. Já atuei nas Comarcas de Ribeirão Cascalheira, Querência, Alto Araguaia, Alto Garças, Alto Taquari, São José do Rio Claro e, atualmente, sou titular da 1ª Promotoria Criminal de Chapada dos Guimarães. Já devo ter atuado em torno de meia centena de julgamentos pelo Júri. As sessões mais desoladoras são aquelas em que a vítima é criança. Participei dum julgamento em que os próprios pais mataram o filho de oito meses de vida, arremessando-o na parede, porque ele não parava de chorar. É o estado de animalização do ser humano, chocante!

Confraria do Júri – Como último item, “o Ministério Público está com a palavra”: acrescente – caso queira - qualquer ponto de vista não perguntado e essencial ao Tribunal do Júri.

César Danilo Ribeiro de Novais - Dia de Júri é dia de luto e de luta. Todavia, também é dia de esperança para a sociedade. É oportunidade de transformar o luto em luta por dias melhores, em busca do respeito, ao menos, pela fonte de todos os direitos: a vida. O promotor e os jurados têm a chance de transformarem a ritualização da morte em celebração da vida, condenando o culpado e absolvendo o inocente.

Encerro com um verso bíblico que busco inspirar minha atuação: "Felizes os que observam o direito e praticam a justiça em todo tempo" (Salmo 106-3).

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