- PA: Homem condenado por morte e vilipêndio ao cadáver da vítima
Diário do Pará
Já passava das cinco horas de depoimentos, quando o juiz Cláudio Henrique Rendeiro, da 3ª Vara do Tribunal do Júri de Belém, solicitou que os sete jurados deixassem o plenário para iniciar, numa sala particular, a votação sobre a sentença do réu. Na acusação do técnico de informática Marcelo Lutier Gomes Sampaio, proferida pelo júri, constavam os crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e Vilipêndio a cadáver, sustentado pela tese que o réu manteve relações sexuais com a vítima depois de morta.
Após a votação secreta dos jurados, que durou aproximadamente uma hora e meia, a sessão foi reaberta para o juiz apresentar a sentença. Marcelo Lutier foi condenado a 36 anos de detenção, sendo 30 anos pelo homicídio, três anos por ocultação de cadáver e mais três pelo crime de vilipêndio.
O veredicto foi comemorado por amigos e familiares de Bruna Leite Sena, que acompanharam toda a sessão no plenário. “Estamos muito satisfeitos com isso. Agora sim, a justiça foi feita”, disse emocionada a avó da vítima, Elizabete Leite. “É uma emoção para toda a família. Isso não vai trazer a Bruna de volta, mas nos deixa mais aliviados em saber que esse crime não ficou no esquecimento”, comemorou Rosiane Leite, mãe da vítima.
De acordo com o promotor de acusação, Édson Augusto Souza, o veredicto foi além do esperado. “Desde o inicio sabíamos que a defesa iria bater em cima da semi-imputabilidade do réu, alegando que ele não possui sanidade mental. Isso certamente nos fez acreditar numa possível redução de pena. Algo que, ainda bem, não aconteceu. O júri entendeu a nossa tese de defesa e deferiu pena máxima para o Marcelo”, disse o promotor.
DEFESA
Para o advogado de defesa, Humberto Boulhosa, a decisão do júri não levou em conta a incapacidade mental do acusado. “Essa decisão é completamente equivocada. Foi provado que o Marcelo não possui uma total capacidade de compreensão das coisas. Portanto, a pena dele deveria ser reduzida a dois terços e não uma condenação de pena máxima. Vamos recorrer dessa decisão e marcar imediatamente um novo júri popular”, relatou o Boulhosa.
Ainda segundo o veredicto apresentado pelo juiz Cláudio Henrique Rendeiro, o acusado, considerado de alta periculosidade, irá cumprir inicialmente toda a pena em regime fechado no Centro de Recuperação do Coqueiro (CRC), em Ananindeua.
Após a decisão do júri, familiares da vítima junto com representantes do grupo Movida (Movimento Pela Vida), estiveram na frente do Fórum Criminal de Belém para fazer uma oração em agradecimento ao resultado do julgamento.
O CRIME
Bruna Leite Sena, 15 anos, foi encontrada morta em uma lixeira em frente a um supermercado localizado na Travessa 14 de Abril no dia 18 de setembro de 2005. De acordo com o relatório da Polícia Civil, o corpo, que estava envolto em três sacas de trigo, tinha vestígios de abuso sexual. Através de exames de DNA, o laudo pericial apontou como sendo de Marcelo Lutier o material espermático encontrado na vítima. Ainda segundo o relatório, Bruna teria conhecido Marcelo em um cyber café de Icoaraci, pelo qual teria marcado um encontro com o acusado. O réu teria levado a jovem para o seu apartamento e, após matá-la por asfixia mecânica e tê-la amarrado com fios de nylon, teria tentado ocultar o corpo jogando-o na lixeira.
Testemunhas mantiveram acusação e Lutier calou
Afastada da neta e filha de criação desde o dia 17 de setembro de 2005, a doméstica Elizabete Leite esperou até a última sessão do júri de 2011, iniciada na manhã de ontem, para conhecer o desfecho do crime que tirou a vida da adolescente Bruna Leite Sena, 15 anos. Uma das quatro testemunhas de acusação convocadas pelo Ministério Público para depor no julgamento, Elizabete contou o que lembrava das horas que antecederam o crime que chocou Belém. Diante do réu Marcelo Lutier Gomes Sampaio, acusado de jogar o corpo de Bruna em uma lixeira em frente a um supermercado após cometer abuso sexual contra a jovem e matá-la, a avó testemunhou na qualidade de informante. “Eu já vi ele aqui mesmo, agora ele pode ficar”.
Com a cabeça sempre baixa, Marcelo ouvia sem esboçar nenhuma reação as palavras aflitas da avó, que durante todo o depoimento fez questão de afirmar que, antes do desaparecimento de Bruna, já havia falado com o próprio Marcelo por telefone diversas vezes. “Ela (Bruna) já tinha saído no sábado quando, com poucos minutos, ele ligou. Perguntei pra ele: ‘o que você quer com a Bruna?’ e ele disse que ela ia passar umas fotos do Renato Russo (cantor) pra ele”, lembrou. “Na mesma noite eu liguei pra todos os telefones e ninguém sabia dela. Só fui saber quando começaram a dizer que tinham encontrado um corpo na lixeira e meus filhos reconheceram”.
Para ela, que afirmou ter identificado as primeiras ligações de Marcelo para neta cerca de um mês antes de sua morte, não há dúvidas sobre o autor do crime que lhe tirou a convivência com a filha adotiva mais velha. “Quando ele começou a aparecer na televisão, eu senti que era ele”.
DISQUE DENÚNCIA
Testemunha por também ter mantido contato telefônico com o Marcelo Lutier, o então capitão da Polícia Militar, Marcelo Leão, contribuiu com informações acerca do episódio que ajudou a prender o réu que, antes do julgamento, já estava preso há seis anos. Através de um telefonema de Lutier para o número de denúncias do Centro Integrado de Operações (Ciop) – o 190 - o policial identificou que poderia se tratar do próprio assassino de Bruna. “Saiu o retrato falado do provável assassino e ele me ligou e começou a relatar sobre o ‘caso Bruna’. Ele disse que conhecia o autor do crime que seria um amigo dele”, disse. “Ele me contou detalhes do crime, não estava nervoso e falava pausado. Foram várias ligações no mesmo dia”.
Para compor a tese de acusação, após fazer perguntas para as duas únicas testemunhas que contribuíram com informações sobre o caso, o promotor de acusação, Édson Augusto Souza, destinou a maior parte de sua fala durante o debate para ler os depoimentos de Lutier às autoridades policiais no momento em que teve a prisão preventiva decretada, em 2005, após a quebra do sigilo telefônico e dos e-mails do acusado. “Ele afirmou perante a autoridade policial que marcou um encontro com Bruna para seu amigo ‘Duca’ por R$ 500,00. Ele afirma que encontrou com Bruna no sábado e foram para o seu apartamento esperar por ‘Duca’ e, quando os dois se encontraram, ele foi embora”, lia. “Ele afirma ter recebido outro telefonema de ‘Duca’ às 5h do outro dia pedindo que ele guardasse uma encomenda. O depoente levou a encomenda para casa e, quando viu que o saco cheirava mal, colocou-o nas costas e jogou na lixeira”.
Muitas evidências contra o acusado
De acordo com o promotor, os autos do processo que, ao todo, é composto por cinco volumes ainda traziam informações como o laudo pericial que atestou a compatibilidade do DNA do esperma encontrado na vítima e o colhido de Lutier após sua prisão, assim como a evidência de uma corda encontrada no apartamento do acusado, a mesma utilizada para amarrar Bruna, e as fotos da vítima. “O sujeito ativo está aqui. Mas essa menina de 15 anos que aparece nas fotos é o sujeito passivo. Essa menina que aparece com os pés quase chegando ao pescoço pela forma como ela foi amarrada”.
Diante das lágrimas dos parentes de Bruna que assistiam à defesa e lembravam do ocorrido, o promotor deixou clara sua convicção de que Lutier oferecia perigo para a sociedade, se mantido em liberdade. “O laudo médico conclui que ele é uma pessoa de alta periculosidade. Além de ser acusado de homicídio duplamente qualificado, ele ainda cometeu vilipêndio ao cadáver, ou seja, tripudiou sobre o corpo da vítima quando o colocou naquele saco e ocultação de cadáver ao jogá-lo na lixeira”.
SILÊNCIO
Desde sua entrada na sala de julgamento o réu, Marcelo Lutier, se restringiu a dizer apenas algumas palavras aos que estavam presentes. Com a voz baixa e confusa, ele se utilizou o direito de não depor após uma rápida reunião particular com seu advogado no decorrer do julgamento. “Me reservo o direito de ficar calado”, disse. “Não gostaria de responder a nenhuma pergunta”.
De acordo com seu advogado de defesa, Humberto Boulhosa, toda a tese estava baseada nas condições psicológicas de seu cliente. “A tese da defesa partirá da semi-imputabilidade do meu cliente, já que o laudo constata que ele não tem sanidade mental”, disse. “De qualquer modo, ele já cumpriu seis anos de prisão e já tem direito ao regime semi-aberto. Em nenhum momento ele assumiu a autoria do crime”.
Para Elizabete, avó da vítima, a tese não convence. “Ele é bastante consciente do que ele fez. Da maneira que ele ligava para o meu celular, acredito que ele seja consciente”, afirma. “Para mim ele não tem nada de louco”.