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06/11/2025  - Visão do Direito: Os indícios e o veredito no Tribunal do Júri
 
Daniel Bernoulli Lucena de Oliveira, promotor do Júri do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Texto veiculado originariamente no jornal Correio Braziliense.

"O Tribunal do Júri nos faz lembrar daquele quebra-cabeça antigo de mil peças que a gente encontra, em uma tarde de domingo, no fundo de um armário na casa do avô"

Uma casa antiga, sem câmeras. Na mesa da cozinha, um vidro de leite deitado, derramando as últimas gotas que ainda restavam no recipiente. Na mesa, no chão e até na parede que leva para a janela, pegadas pequenas, minúsculas, quatro falanges e uma borda mais grossa da base. A janela aberta, o vento balançando o tecido voile que filtra parte da luz do sol. Por fim, ouve-se lá de fora um sonoro "miau".

O Direito costuma diferenciar provas de indícios. Prova, grosso modo, são elementos que buscam demonstrar a existência de fatos. Indícios, por seu turno, são circunstâncias que, tendo relação com o fato, permitem concluir pela existência desse fato.

Quando imaginamos a cena bucólica acima descrita, logo concluímos se tratar de um gato, ainda que não tenhamos provas cabais para tanto. Afinal, não há filmagens ou fotografias do "crime de furto de leite", análise papiloscópica de patas ou uma confissão do gato aos amigos, em um bar felino, regada a coalhada fresca e chantily.

Mesmo assim, observando as circunstâncias, ou seja, os indícios, chegamos facilmente à certeza de ser o animal, pois unimos cada ponto do desenho até visualizarmos a imagem do bichano.

Para o processo do tribunal do júri avançar para a fase da sessão plenária, a lei exige materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou participação. É como um filtro, um coador. Ainda se houver indícios, caso não sejam suficientes, o juiz não pode permitir o julgamento popular.

Então, ao fim e ao cabo, quem vai determinar se os indícios são ou não suficientes? Em primeiro plano, o próprio juiz. Além dele, por meio de recursos, as partes também moldarão o que viabiliza ou inviabiliza o encaminhamento dos autos à sessão plenária.

Uma vez decidida a remessa ao Júri Popular, caberá às partes apresentar seus elementos de convicção, durante os debates, a fim de convencer o jurado de seu entendimento. É ali onde os fios soltos vão dar lugar à teia probatória, que irá demonstrar a autoria, o fato e suas circunstâncias. E isso não se fará somente com provas robustas, mas também com todo e qualquer indício que auxilie na elucidação do caso em si. O uso da lógica e da experiência de mundo de cada jurado serão ingredientes fundamentais para um veredito sólido e seguro.

Nem sempre, em feminicídios ou homicídios, a sociedade contará com gravações em alta resolução do crime, diversas testemunhas oculares ou mesmo perícias de alta precisão - como o DNA, por exemplo -. Antes o contrário, há contextos criminosos em que tais elementos são propositalmente ínfimos, exigindo da investigação um esforço ainda maior para a identificação dos criminalmente responsáveis.

É o caso, por exemplo, de delitos envolvendo facções criminosas ou mesmo crimes de mando em geral. A ideia de quem pratica tais condutas é a de dificultar ao máximo sua identificação, ainda que a polícia alcance o executor. O trabalho investigativo, portanto, será muito mais dispendioso do que o de um homicídio ocorrido entre ébrios em um bar com diversas testemunhas.

Não à toa que o jurado não precisa justificar seu voto (aliás, se o fizer é porque o revelou, razão, portanto, para nulidade do julgamento). Conforme o juramento que faz no início da sessão, seus pilares para a decisão final são a consciência e os ditames de Justiça. Em suma, a íntima convicção.

Naturalmente, essa convicção deve estar amparada minimamente nos elementos processuais, mas será lapidada a partir de tudo a que o julgador leigo tiver contato, desde os próprios autos até as oitivas de testemunhas, interrogatório e os debates entre as partes. Ao fim, é ele quem vai avaliar cada circunstância trazida ao seu conhecimento para valorá-la e ponderá-la, apresentando seu veredito.

Nessa linha, não há qualquer proibição legal em julgar a partir dos elementos indiciários colhidos e apresentados aos jurados, na medida em que já houve um filtro na primeira fase e ainda é preciso manter a decisão colegiada em consonância e harmonia com as circunstâncias presentes no processo.

O Tribunal do Júri nos faz lembrar daquele quebra-cabeça antigo de mil peças que a gente encontra, em uma tarde de domingo, no fundo de um armário na casa do avô. Pegamos a caixa já amassada, às vezes rasgada, derramamos tudo numa mesa e passamos a montá-lo. Devagar, ele vai tomando o formato, primeiro as bordas, depois o centro. Começamos a descobrir que há peças faltando, mas, mesmo assim, insistimos na montagem. Ao final, mesmo ante a ausência de diversas peças, ao olhar para o todo, podemos identificar a imagem e sentenciar: é um gato.

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