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02/12/2019  - Caminhos do júri: Como o STJ interpreta o processo de julgamento popular no Brasil
 
STJ

Parte 1 - Crime, inquérito e pronúncia

Silêncio na corte. Um clima de tensão toma
conta do ambiente quando o réu, sob
escolta, é apresentado na sala de
julgamentos. Do lado de fora, a imprensa
acompanha cada passo da movimentação no
tribunal, em uma sessão que promete durar
várias horas, talvez dias. Jurados
escolhidos, defesa e acusação a postos,
olhos curiosos do público: o juiz declara
aberto o julgamento.

Os procedimentos que envolvem os
julgamentos no tribunal do júri costumam
habitar o imaginário popular, tanto no
Brasil quanto fora dele. Contribuem para
esse fenômeno a constante representação
das sessões do júri em filmes e novelas,
muitas vezes em dramatizações carregadas
de irreverência e exagero. Por outro lado,
a própria comoção pública e a repercussão
social gerada por muitos crimes dolosos
contra a vida são, em si, um elemento
ideal para que o julgamento popular atraia
a atenção de leigos e especialistas.

O sistema de julgamento popular remonta à
Grécia antiga. Em Atenas, a decisão sobre
crimes de sangue competia ao Areópago,
órgão cujos membros eram escolhidos por
sorteio entre os cidadãos atenienses.
Também na Roma clássica havia a distinção
em relação à natureza dos delitos. A lex
licinia, legislação de 55 a.C., previa a
formação por sorteio de um corpo de
jurados leigos, que prestavam compromisso
de bem desempenhar suas funções
judiciárias no processo penal.

Nascido nos sistemas antigos, o tribunal
do júri evoluiu e percorreu diversos
ordenamentos legais no mundo – como na
Inglaterra, Alemanha e França –, chegando
ao Brasil oficialmente em 1822, quando o
príncipe regente D. Pedro de Alcântara,
por decreto imperial, instituiu o Tribunal
do Júri do Brasil.

Em terras nacionais, o sistema de
julgamento pelo povo foi sendo
renovadamente previsto em sucessivas
legislações, e atualmente tem status
constitucional garantido pela Carta de
1988, com competência para o julgamento de
crimes dolosos contra a vida. Mesmo assim,
nos processos submetidos ao júri popular,
uma série de questões ainda são
controvertidas e demandam soluções pelo
Judiciário, muitas delas dadas em última
palavra pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ).

Por isso, o STJ apresenta a série especial
de matérias Caminhos do Júri, que neste
domingo (1º) e nos dois próximos
percorrerá todas as etapas do processo de
julgamento perante o tribunal do júri por
meio de seus diversos entendimentos sobre
o tema.

Fases do proc​​edimento

Apesar da associação que se faz entre o
julgamento popular e a imagem do réu
sentado diante dos jurados, o procedimento
do júri, na verdade, começa bem antes, é
complexo e se divide em duas fases: o
judicium accusationis, também conhecido
como sumário de culpa, e o judicium
causae, ou o plenário do júri. Nessas duas
fases, estão incluídos vários outros
procedimentos: as intimações, o
arrolamento de testemunhas, a formação do
conselho de sentença, entre outros.

Na primeira etapa do júri – o sumário de
culpa –, é realizada a produção de provas
com o objetivo de apurar a existência de
crime doloso contra a vida e, pelo menos,
de indícios de autoria contra o réu.

Essa fase tem início com o oferecimento da
denúncia ou queixa e termina com a
sentença de pronúncia (que conclui pela
existência do crime doloso contra a vida e
de indícios de autoria, por isso, submete
o processo ao júri popular), impronúncia
(quando o juiz conclui que não há indícios
suficientes de materialidade ou autoria
aptas a levar o acusado ao júri),
desclassificação do crime (casos em que o
magistrado entende que se trata de outro
crime, que escapa à competência do júri)
ou absolvição sumária.

Mera admissibilid​​ade

No julgamento do REsp 1.790.039, no qual a
Sexta Turma discutia a submissão ao
tribunal do júri de envolvidos no incêndio
ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria
(RS), o ministro relator, Rogerio Schietti
Cruz, explicou que a decisão que encerra a
primeira fase do procedimento do júri tem
natureza de decisão interlocutória mista,
não terminativa, de mero juízo de
admissibilidade da acusação formulada pelo
Ministério Público.

"Por sua natureza e finalidade, dispensa-
se, nesse momento processual, prova
incontroversa da autoria do crime apurado,
pois basta a existência de indícios
suficientes (na dicção do artigo 413 do
Código de Processo Penal – CPP) de que o
acusado seja seu autor ou partícipe" –
afirmou o ministro ao destacar que as
questões referentes à certeza da autoria e
da materialidade do delito devem ser
analisadas pelo tribunal do júri, juiz
natural dessas causas.

No caso específico do recurso, o relator
ressaltou que a questão central e mais
importante dizia respeito à definição do
elemento subjetivo que teria motivado a
conduta dos réus, ou seja, se eles agiram
no episódio com dolo eventual ou se apenas
com culpa.

De acordo com o ministro, com base nas
informações dos autos, a afirmação segundo
a qual os réus teriam agido com dolo
eventual não implica dizer que eles tenham
previsto a morte de 242 pessoas no
incêndio e as lesões a outros 636
indivíduos, mas que estavam cientes de
que, dadas as condições do local do
acidente e do tipo de show – que contava
com o uso de artifício pirotécnico pela
banda presente na noite da tragédia –,
produziram um incremento considerável do
risco que os frequentadores da casa
poderiam enfrentar.

Para Schietti, essas circunstâncias,
indicadas na sentença de pronúncia,
"permitem inferir que os recorridos
estavam cientes desses riscos e das
possíveis consequências que poderia causar
o menor incidente decorrente do uso de
fogo de artifício sabidamente impróprio
para ambiente interno, acionado e
direcionado a material altamente
inflamável, a poucos centímetros de
distância da chama".

Ao entender que os réus deveriam ser
submetidos ao júri, Schietti também
afirmou que o fato de os integrantes da
banda já terem feito uso de recurso
pirotécnico em outros shows, sem
problemas, não poderia ser considerado um
argumento válido de defesa, tendo em vista
que eles sabiam plenamente dos riscos que
normalmente já são inerentes a eventos
realizados em ambientes fechados, escuros
e sem condições adequadas de mobilidade.

"Cientes de que esses riscos são já
presentes, pelo simples fato de se
aglutinar uma multidão em um ambiente
assim, incrementaram, deliberada e
conscientemente, esse risco, a ponto de
ser razoável concluir, como o fizeram o
juiz da pronúncia e os desembargadores que
confirmavam tal decisão, que tinham
ciência de que esse risco existia e que
poderia vir a se concretizar com danos
humanos e materiais incalculáveis",
concluiu o ministro.

Inquérito p​​olicial

No REsp 1.740.921, a Quinta Turma entendeu
ser incabível admitir a sentença de
pronúncia de um acusado com base apenas em
indícios derivados do inquérito policial.
O entendimento foi firmado pelo colegiado
ao negar recurso do Ministério Público de
Goiás, que sustentava ser possível usar as
informações do inquérito como parâmetro de
aferição dos indícios de autoria
imprescindíveis à pronúncia, sem que isso
representasse violação do artigo 155 do
CPP.

No processo, o Tribunal de Justiça de
Goiás manteve decisão que despronunciou um
réu acusado de homicídio em razão de a
prova apontada nos autos ser um depoimento
extrajudicial, que não foi confirmado na
fase processual. Além disso, o tribunal
levou em consideração a confissão
espontânea de um corréu.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do
recurso do MP, afirmou que a prova
produzida extrajudicialmente é elemento
cognitivo destituído do devido processo
legal, princípio constitucional garantidor
das liberdades públicas e limitador do
arbítrio estatal.

Segundo o ministro, com o objetivo de dar
máxima efetividade ao sistema de íntima
convicção dos jurados, não é possível
desprezar a prova judicial colhida na fase
processual do sumário do tribunal do júri.
Ribeiro Dantas destacou que o juízo
discricionário do conselho de sentença,
uma das últimas etapas do procedimento do
júri, não desmerece os elementos de prova
produzidos na fase processual, tampouco os
equipara à prova formada no momento do
inquérito.

"Na hipótese em foco, optar por solução
diversa implica inverter a ordem de
relevância das fases da persecução penal,
conferindo maior juridicidade a um
procedimento administrativo realizado sem
as garantias do devido processo legal, em
detrimento do processo penal, o qual é
regido por princípios democráticos e por
garantias fundamentais" – concluiu o
ministro.

Testemunha in​​direta

Também analisando a fundamentação de
sentença de pronúncia, a Sexta Turma, ao
julgar o REsp 1.373.356, considerou que as
provas produzidas no inquérito, baseadas
em depoimentos de testemunhas que
afirmaram "ouvir dizer" sobre o delito,
não poderiam amparar a decisão que
pronunciou denunciados pelo crime de
homicídio qualificado.

Segundo o relator, ministro Rogerio
Schietti Cruz, além de preservar o réu
contra acusações infundadas, a instrução
preliminar do juízo de acusação tem o
objetivo de preparar o julgamento que será
realizado pelo conselho de sentença. O
ministro lembrou que, ao contrário dos
atos do inquérito policial, as evidências
recolhidas durante a primeira fase do júri
terão plena eficácia e validade perante o
órgão julgador da causa, uma vez que foram
produzidas na presença das partes e do
juiz, pelo método do contraditório.

O relator destacou que, embora não haja
impedimento legal no Brasil ao depoimento
de testemunha indireta, nesse tipo de
testemunho por ouvir dizer (hearsay rule)
– pouco confiável, "visto que os relatos
se alteram quando passam de boca a boca" –
o acusado não tem como refutar o que o
depoente afirma sem indicar a fonte direta
da informação trazida a juízo.

Excesso de ​​​lingua​​gem

Na sentença de pronúncia, o magistrado
realiza o juízo de probabilidade delitiva,
mas não define certeza sobre a autoria do
crime, tarefa que cabe ao conselho de
sentença. Por isso, nessa fase judicial –
e também na condição de presidente da
sessão do júri –, o juiz togado não pode
se manifestar de forma a influenciar o
comportamento dos jurados leigos, sob pena
de incorrer no chamado excesso de
linguagem (ou eloquência acusatória).

No julgamento do REsp 1.442.002, em 2015,
a Sexta Turma, acompanhando posição do
Supremo Tribunal Federal (STF), anulou
sentença de pronúncia por considerar que o
magistrado, ao adentrar no mérito da causa
quando pronunciou o acusado, incorreu em
excesso de linguagem.

O relator do recurso, ministro Sebastião
Reis Júnior, comentou à época que a
jurisprudência do STJ costumava entender
que, reconhecida a existência de excesso
de linguagem em sentença de pronúncia, o
desentranhamento e o envelopamento da
decisão seriam suficientes para cessar a
ilegalidade, pois, além de contemplar o
princípio da economia processual, evitaria
que o conselho de sentença sofresse
influência das palavras usadas pelo
magistrado.

Entretanto, o relator apontou decisões do
STF no sentido de que a solução
anteriormente apresentada pelo STJ
representaria constrangimento ilegal e
também afrontaria a soberania dos
vereditos.

"Logo, diante da evidência de que o
Supremo Tribunal Federal já firmou posição
consolidada sobre o tema, tenho como mais
coerente acolher o entendimento lá
pacificado, sob o risco de que, postergada
tal providência, outros julgados deste
Superior Tribunal venham a ser cassados,
gerando efeitos maléficos na origem,
sobretudo o atraso dos feitos relacionados
ao tribunal do júri", afirmou o ministro
ao determinar que nova decisão de
pronúncia fosse prolatada.

Pequena ras​​ura

A Quinta Turma entendeu, em 2016, que a
rasura de um pequeno trecho da sentença de
pronúncia seria suficiente para afastar a
nulidade decorrente de excesso de
linguagem.

Segundo a defesa, o magistrado de primeiro
grau invadiu a competência exclusiva do
tribunal do júri ao decidir sobre a
pronúncia, pois, ao justificar a
impossibilidade de absolvição sumária,
afirmou que ficou demonstrada a vontade da
ré em tirar a vida da vítima.

Relator do pedido de habeas corpus, o
ministro Joel Ilan Paciornik apontou que,
como o juízo da acusação, ao encerrar o
judicium accusationis, foi categórico em
afirmar a certeza da intenção de matar a
vítima, houve claramente excesso de
linguagem, capaz de influenciar a decisão
dos jurados por ocasião da sessão do júri.

Entretanto, Paciornik afirmou que a
linguagem excessiva ocorreu em apenas um
pequeno trecho de toda a sentença de
pronúncia.

Assim, tendo em vista que o artigo 413,
parágrafo 1º, do CPP tem o objetivo
primordial de preservar a convicção dos
jurados sobre as teses levantadas pela
defesa e pela acusação, e considerando o
princípio da celeridade processual, o
relator entendeu que "a rasura do trecho
maculado na pronúncia é suficiente para
afastar a nulidade suscitada, uma vez que
se preservará todo o restante válido da
decisão impugnada, sem, contudo, ferir o
direito da acusada em ver as teses
defensivas serem decididas, de forma
plena, pelo tribunal do júri" (HC
325.076).

Pro reo, pro soci​​etate

Em razão da característica de mero juízo
de admissibilidade da sentença de
pronúncia, havendo dúvida sobre a autoria
do delito, o magistrado ainda pode
pronunciar o acusado e submetê-lo ao júri,
que tem a competência para julgar o mérito
da acusação.

O princípio, conhecido como in dubio pro
societate, é referendado pela
jurisprudência do STJ. Na fase de
acusação, esse princípio orienta a
interpretação judicial de forma distinta
do momento do julgamento pelo conselho de
sentença, quando, no caso de dúvidas sobre
a autoria, prevalece o princípio in dubio
pro reo.

No AREsp 1.084.726, a defesa de um acusado
pelo crime de homicídio alegava que não
existiam indícios suficientes de autoria
e, por isso, buscava a impronúncia.

Entretanto, o ministro Jorge Mussi lembrou
que, na decisão de pronúncia, o
ordenamento jurídico exige apenas o exame
da ocorrência do crime e de indícios de
sua autoria, não se demandando os
requisitos necessários à prolação da
condenação, de forma que as dúvidas, nessa
fase processual, resolvem-se contra o réu
e a favor da sociedade, conforme previsto
no artigo 413 do CPP.

​Acidentes de ​​​trânsito

​Em um país que, segundo o Conselho Federal
de Medicina, registra uma média de cinco
mortes por hora no trânsito, é previsível
que questões sobre a caracterização da
conduta que causou o acidente – se culposa
ou dolosa – sejam rotineiramente tratadas
pelo Judiciário.

Essa definição – da qual pode resultar a
submissão do motorista ao tribunal do júri
– passa normalmente pela avaliação de
algumas condições, como a direção sob
influência de álcool e a condução do
veículo de forma perigosa.

Em 2019, a Sexta Turma analisou o caso de
um motorista de Cascavel (PR) denunciado
pelo atropelamento de vários ciclistas,
que sofreram diversas lesões, mas
sobreviveram. Segundo o Ministério
Público, o condutor não possuía
habilitação e trafegava sob a influência
de álcool quando, sem qualquer
justificativa, colidiu com os ciclistas.

Apesar desse contexto, o Tribunal de
Justiça do Paraná (TJPR) entendeu, ao
contrário da sentença de pronúncia, que o
caso não envolveu crime doloso contra a
vida e, por isso, deveria ser
desclassificado. Para o tribunal, não se
poderia afirmar que, ao dirigir após
beber, o acusado tenha concordado em
colocar em risco a vida de terceiros. Além
disso, o TJPR considerou que o fato de
conduzir veículo com a carteira de
motorista suspensa é crime autônomo e
também não demonstraria a assunção de
risco à vida.

O relator do recurso do Ministério Público
do Paraná, ministro Nefi Cordeiro, afirmou
que a sentença de desclassificação exige a
certeza jurídica de que o crime foi
diverso daquele imputado inicialmente ao
réu (doloso contra a vida).

Para o ministro, o TJPR não poderia chegar
a essa certeza de crime culposo após
admitir que o motorista causou o acidente
sob influência de álcool, com habilitação
suspensa, em violação à norma de trânsito,
e após invadir a pista em que as
bicicletas trafegavam.

"Desse modo, admitidos fatos definidores
da justa causa, não é válida a conclusão
de desclassificação, devendo ser provido o
recurso porque presentes fatos
fundamentadores de prova (justa causa)
para a imputação do crime doloso (dolo
eventual) contra a vida, exigindo-se a
pronúncia, para a definitiva valoração do
crime e do elemento subjetivo pelo
tribunal do júri", decidiu Nefi Cordeiro,
restabelecendo a sentença de pronúncia.

Jurispru​​​dência

A Secretaria de Jurisprudência do STJ tem
vários produtos que abordam entendimentos
da corte em relação ao tema do tribunal do
júri.

Na edição 114 de Jurisprudência em Teses,
dedicada aos crimes de trânsito, apontou-
se que, na hipótese de homicídio praticado
na direção de veículo, havendo indicativos
de que o condutor agiu, possivelmente, com
dolo eventual, o julgamento acerca da
ocorrência deste ou da culpa consciente
compete ao tribunal do júri, na qualidade
de juiz natural da causa.

Já as edições 75 e 78 do Informativo de
Jurisprudência foram inteiramente
dedicadas ao tribunal do júri. Entre os
assuntos tratados, estão a aplicabilidade
da excludente de ilicitude, o excesso de
linguagem e os limites da sentença de
pronúncia.

Entendimentos do STJ sobre questões do
procedimento do júri também são
encontrados na Pesquisa Pronta.

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