- Dicas aos promotores de quem atuou 18 anos no Júri
Confraria do Júri – Antônio Lemos Augusto
O V Encontro dos Promotores do Júri, realizado em Cuiabá nos dias 10 e 11 de outubro de 2013, contou com a palestra do procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, Marcelo Roberto Ribeiro. Ele, com seus 18 anos de Tribunal do Júri, falou sobre as técnicas de atuação do promotor no Plenário. O evento foi uma realização do Ministério Público de Mato Grosso em parceria com a Confraria do Júri. Marcelo Roberto Ribeiro foi apresentado ao público, no evento, pelo promotor de Justiça, Marcos Bulhões dos Santos, que atua no Tribunal do Júri de Cuiabá. Vamos aos trechos da palestra:
........................................ Fotos nesta página: Antônio Lemos O promotor de Justiça em Cuiabá, Marcos Bulhões, apresenta o palestrante, Marcelo Roberto Ribeiro
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Júri e vocação
“O Tribunal do Júri é talvez o tema mais complicado no processo penal. O juiz, o promotor e o advogado têm que ser pessoas muito especiais, com técnica muito aprimorada de atuação. Têm que ser vocacionados ou ao menos bastante dedicados.”
“É muito diferente postular para um juiz de direito. Não se busca a verdade no Tribunal do Júri com o Código Penal em uma mão e o Código de Processo Penal na outra. São instrumentos desprezáveis no Tribunal do Júri. O jurado vai julgar conforme sua consciência e os ditames da justiça e não conforme a lei e a jurisprudência.”
Relacionamentos com a instituição e com os procuradores
“Temos que ter um bom relacionamento com a administração da instituição do Ministério Público porque ela dá a estrutura de atuação. Temos que acabar com a visão romântica. Necessitamos da visão profissional do Júri.”
“Temos que ter bom relacionamento com os procuradores de Justiça que trabalham nos tribunais, dando pareceres nos recursos. É preciso diminuir essa distância. Eu observo, no Rio Grande do Sul, uma distância muito grande entre promotor e procurador. Precisamos unir as forças. Os promotores precisam ter paciência, uma certa dose de humildade frente a um procurador de Justiça.”
“Há a falsa ideia de que o procurador tem que opinar sempre em favor do promotor. Não é assim! O procurador de Justiça não é aquele que vai estar permanentemente a favor das petições do promotor, ainda mais quando forem ilegais ou abusivas.”
“Temos que nos relacionarmos com a Polícia Civil. Depois da PEC 37, esta relação ficou complicada, mas precisamos melhorá-la porque 80% das condenações têm a ver com a prova policial. Temos que ter encontros periódicos com os delegados para aprimorarmos os inquéritos policiais. Por exemplo, fazer que o delegado não se esqueça de assinar os depoimentos. Fazer que haja esclarecimentos dos álibis...”
“Temos que evitar fazer comentários desairosos nos inquéritos policiais sobre o delegado, como chamá-lo de relapso, desidioso, ou ir para a imprensa criticar a polícia. Nós todos sabemos das deficiências da estrutura policial.”
“Lamentavelmente, a utilização da prova policial está com os dias contados. O PL 156, que reforma o CPP, veda a utilização da prova policial como motivo exclusivo para condenação. Vão acabar com o Júri assim. O grande argumento é a ausência de contraditório, mas o próprio projeto de lei prevê a possibilidade do acusado produzir provas na fase da investigação, o que afasta esta justificativa.”
“No Rio Grande do Sul, isso está muito sério. Já temos duas câmaras no Tribunal de Justiça que não admitem pronúncia com base em prova policial, por não observância do contraditório e da ampla defesa. Consideram só como elemento informativo. Prova de investigação não renovada em juízo não pode fundamentar decisão de pronúncia. E as câmaras absolvem sumariamente o réu. Há uma campanha toda para que a prova policial não possa ser usada para a pronúncia e para o veredito do Júri.”
“O juiz é quem manda o réu para julgamento, quem media o julgamento. Não podemos ver o juiz como uma rúcula no processo. Tenho colegas que vivem em atritos com o juiz. Ainda bem que o relatório do processo passou a ser feito por escrito a partir da reforma de 2008. Quando era feito oralmente, gerava atritos entre juiz e promotor.”
“Atrito com o juiz na sala secreta é pedir para o réu ser absolvido. 60% dos jurados entendem que a pessoa mais confiável no Júri é o juiz. O jurado busca no comportamento do juiz um caminho para decidir quando está em dúvida. Se brigar com o juiz na sala secreta, o jurado vai te punir.”
“Também não há necessidade de ser tão próximo do jurado ou do juiz.”
Vaidade
“Não há promotor que não seja vaidoso. A vaidade é irmã do sensacionalismo. A vontade de estar sempre na mídia, de levar ao Júri casos que não são do Júri, como – por exemplo – transformar uma tentativa de latrocínio em tentativa de homicídio ou uma situação de culpa no trânsito em dolo eventual. O ego é maior do que o foro. Eu não gosto muito do promotor que vive na imprensa e na TV.”
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A denúncia
“Cuidado com a denúncia. Conte só o que é necessário para o réu se defender. Tem que ser enxuta. A denúncia não é uma reportagem.”
“Atenção para horários e datas dos crimes. Não precisa apontar um horário exato: utilize ‘aproximadamente’. A indicação de um horário exato que não seja confirmado futuramente pode interferir no Júri, decidido pelo leigo.”
“Não invente circunstância na denúncia. Eu sei que o crime é repugnante e que nossos juízes são contaminados pela doença da pena mínima, mas não é sempre que vamos qualificar o crime.”
Audiência
“Não falte a audiência. Há duas câmaras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que estão anulando processos quando se verifica que o promotor não estava na audiência. São casos em que o defensor não pergunta nada e o juiz faz todas as perguntas. Só que o juiz tem que fazer perguntas complementares. Em razão desta situação, essas câmaras anulam o processo e absolvem o réu porque a prova é inválida. Eu entendo que esta situação seria de nulidade relativa, e não absoluta.”
“A presença do promotor em audiência é imprescindível. Se não puder comparecer, mande um substituto. Se estiver doente, peça nova data.”
“Todos nós ficamos tentados a arrolar testemunhas para o julgamento do réu. Mas podemos nos defrontar com outro processo se não tivermos ideia do que vão falar no dia do julgamento. Testemunhas que eram boas podem transformar-se em péssimas.”
Formação da lista de jurados
“Será que o jurado listado não responde a processo criminal ou tem algum familiar respondendo processo criminal? O promotor deve estar atento para esta situação.”
Local do fato
“O promotor deve ir ao local do fato para não se surpreender no julgamento, para poder – se preciso – pedir ao juiz para levar os jurados ao local do crime.”
Linguagem da aparência
“O promotor deve observar a linguagem da aparência. A maneira como ele se veste traduz confiança e credibilidade. Se uma promotora chegar para fazer um Júri com um decote ousado ou roupa curta os jurados vão prestar atenção nela e não no que ela está falando. Se um promotor chega de terno branco e camisa preta, cheio de colares e pulseiras, não adiantará dizer que é um amante da Justiça... A beca resolve o problema daqueles que não sabem como se vestir.”
“Jurados gostam de se sentir como parte de uma instituição forte, que se apresenta adequadamente, de uma instituição formal.”
Recusa de jurados
“É um problema no Brasil. As recusas são feitas só com base em nomes e profissões. Você vai pela cara... Eu, no Júri, chegava bem cedo para ver a entrada dos jurados. Se o jurado ia cumprimentar o defensor, eu o recusava.”
“Temos de obter informações sobre os jurados, saber conversar com eles, quando possível.”
“O sistema norte-americano permite fazer questionamentos aos jurados antes do sorteio, e a defesa e a acusação podem decidir melhor sobre a recusa. Há um projeto de lei, PL 7.283, de Carlos Bezerra, para introdução desse sistema no Brasil.”
“O PL 156 prevê que o Júri deverá tomar cuidado para estabelecer proporção igual entre homens e mulheres na lista.”
Primeiro Júri
“O primeiro Júri é muito complicado. O júri nos expõe muito. O promotor é novo na comarca e não conhece o réu ou a vítima ou os jurados. Do outro lado, o advogado é experiente. E a sociedade espera muito do promotor e essa expectativa chega a ele e o nervosismo aumenta. É preciso deixar a emoção do caso fluir no primeiro Júri.”
“Guilherme Nucci me disse que, quando era juiz no Tribunal do Júri, dissolveu muitos conselhos de sentença pelo réu estar indefeso, mas enfrentou situações em que a sociedade estava desprotegida porque o promotor era muito fraco... Mas ele nunca dissolveu o júri em tais situações. O argumento foi interessante: o jurado não consegue ser soberano se não tem informações suficientes para julgar. Tal situação seria extremamente traumatizante para o promotor em início de carreira.”
Vítima ou familiares no Júri
“Levar a vítima ou familiares para assistir o julgamento... No primeiro momento, parece uma coisa boa para os jurados verem a dor da família. Mas tem que conversar com a família sobre como proceder no dia do julgamento. A família tem que estar preparada, saber que o advogado vai falar mal da vítima e os familiares vão ter que ouvir quietos. É muito difícil ouvir o advogado para quem sofreu a perda.”
Quanto tempo falar?
“Eu sempre usei todo tempo que a lei me dava. O promotor de Justiça tem que mostrar para a sociedade que todo caso é importante e que a vida humana é importante e merece todo empenho dele, mesmo nos casos em que a gente pensa que é ‘barbada’. Na verdade, no Júri não tem ‘barbada’. Um descuido e a gente perde. Há promotores que têm um grande poder de convencimento falando pouco, porém é algo mais raro.”
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Pedido de absolvição
“Tem que ser muito bem fundamentado de forma que o defensor do réu não tenha mais o que dizer. Tem que mostrar para o próprio réu que ele, o réu, é importante e, quando ele estiver certo, nós estaremos do lado dele. O grande marketing do Ministério Público é o pedido de absolvição.”
Como falar?
“Cada um tem seu estilo. Mas não imite ninguém. Seja você. O homem tem que dizer aquilo em que ele está acreditando.”
“Falar emocionadamente ou friamente? Jurado gosta de ouvir uma exposição sincera. Nunca fiz Júri muito técnico. Nunca gostei de usar muita jurisprudência e doutrina. O jurado vai julgar com os ditames da justiça. Ele fará a jurisprudência popular. Esqueça o Damázio e o Mirabete.”
“Não faça críticas de ordem política, religiosa, filosófica... evite piadas de futebol. Não faça piadinhas no Júri. Júri é coisa séria.”
Como tratar advogado?
“Na medida de sua culpabilidade... Temos que tratar bem. Mas agressões pessoais e ao Ministério Público não podem ser aceitas. Jurado tem que saber que o promotor não é pusilânime.”
Replicar ou não?
“Eu sempre repliquei. É o momento do promotor e hoje tem mais tempo. Mas respeito aqueles que tentam a jogada de não replicar para não dar a tréplica para a defesa.
Na réplica, cabe falar com emoção. É a coroação do trabalho do promotor. O jurado espera a réplica. Já teve jurado que me disse que, como o promotor não replicou, pensou que ele tinha concordado com a defesa.”