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04/10/2022  - A saga acusatória
 
Lídia Malta, promotora de Justiça do Estado de Alagoas. Texto enviado à Confraria do Júri

A morte é indecorosa. Sem cerimônias, atravessa os salões da vida roubando-lhes o brilho. Não cede a explicações. E, de toda sorte, a vítima já não as conseguiria exprimir. A dor dos seus pares não atinge a carrancuda frieza do coração pertencente ao executor. A existência foi arrebatada. Uma vida foi prematuramente colhida e não prosperará em seu curso natural. Mas, e agora? Restam inaudíveis os prantos dos que se foram ou olvidado o sofrimento dos seus entes queridos?

Não. A saga acusatória se inicia. Foi assim que acordamos em viver sob os ritos de um país democrático. A natureza humana exige uma reparação à repentina e prematura perda de seus bens.

Conferimos a nós mesmos o dever de esperar pela providência estatal de se investigar e aguardar o cumprimento de sua promessa em reparar um ato injusto bem como evitar sua reprodução. Isso evita a vingança privada, manifestada em uma deliberação particular e déspota, mas corretamente sedenta por uma resposta.

Confere-se ao Estado o início e o término de uma investigação. É preciso fôlego, pois o processo leva tempo: é de se analisar com cautela as imputações feitas e permitir a manifestação e o direito probatório pertinente dos envolvidos. Enfim, é possível se encontrar com solidez a autoria delitiva. Algumas das vezes ela se sobressai evidente; outras vezes, é dificultosa sua elucidação diante da obstinada maldade humana em ocultar os vestígios de sua peculiar manifestação. Ainda assim, ouve-se aqui e acolá a expressão “é fácil acusar”, ecoando como um aviso pejorativo e bélico àqueles que ousam descortinar a verdade. Em sendo fácil acusar, por que razão seria difícil defender? Sempre me faço essa indagação. Seria porque leva mais tempo e criatividade a implantação de um álibi ou a ocultação de provas? É mais difícil talhar as meias e seletivas verdades? Precisa-se de mais tempo para decorar e recitar mentiras previamente ensaiadas? É preciso traquejo para fugir das obrigações legais de se provar as próprias alegações? Pois é. Temo que esteja na resposta a estes questionamentos a tal “sanha acusatória”.

Uma expressão ingrata, forjada na transmudação de valores, sempre conveniente quando não calham os argumentos factíveis. Onde podemos ver isso na história? Pois me parece familiar. Ah, sim. Os nazistas também tiveram suas razões orgulhosamente estampadas em seus depoimentos para a desumana marca de seu breve triunfo na história. E vejam só, foi a saga acusatória, ou melhor, “sanha”, àqueles que compartilham do asco à reprimenda estatal, que tornou possível extirpar qualquer resquício argumentativo justificante de atos tão atrozes. Foi a “sanha” acusatória que permeou os confins de estruturas demolidas atrás de provas, nem sempre cabais, mas que por indícios indicassem a participação de seus autores. E, vamos todos pasmar, há quem negue ainda hoje a veracidade de tais fatos. Os nazistas, eles próprios, em suas defesas, buscaram justificar seus atos. Mas nós não jogamos a culpa deles para o alto, pulverizando-a como as cinzas dos judeus.

Ao revés, demos as mãos para tornarmos possível um movimento mundial de preservação a direitos fundamentais, visto que não funcionou a ideia de atrocidades em cima de atrocidades. Talvez assim, desenhando os extremos, seja possível ilustrar melhor que a “sanha” acusatória faz parte do funcionamento democrático e é essencial à sociedade. Mas a inclemência e a subversão de valores, muitas vezes imbuídas em disfarçadas teses defensivas, que a todo custo, seja por valores monetários ou falta de escrúpulos, evidenciam a crise de moralidade de vários profissionais. Abusos existem e devem ser coibidos, e, inclusive, passíveis de se tornarem objeto da “sanha” acusatória de que se valem seus apontadores. Não se pode admitir ou aplaudir, contudo, defesas levianas cujo ímpeto seja tão somente tornar esquecida aquela vida já tolhida, menosprezada e enterrada. Não pretendo aqui exaurir a casuística tampouco generalizar, até porque, com frequência, admiramos nossos oponentes. Levemos o debate justo com seus contrapontos e contrapesos, cada qual dentro de seu espaço, mas respeitemos o lugar do óbvio, enaltecendo o direito à vida, porque quando isso é possível, é também obrigatório.

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