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05/11/2018  - Ideia de ''abater'' quem estiver com fuzil é ilegal e não protege policiais
 
Sérgio Rodas - Site Conjur

Uma das principais propostas da campanha do governador eleito do Rio de Janeiro, o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC), foi a de autorizar policiais a “abaterem” pessoas que portem fuzis, sem responder por homicídio. Para ele, nesse cenário, o agente de segurança estaria agindo em legítima defesa. No entanto, professores ouvidos pela ConJur afirmam que o Código Penal não permite essa interpretação e que, ao atirar para matar, policiais continuariam correndo risco de ser condenados por homicídio.

Witzel entende que, ao disparar contra um sujeito portando um fuzil, o policial estaria agindo em legítima defesa. “A autorização está no artigo 25 do Código Penal: o policial estaria agindo em legítima defesa de si próprio e da sociedade para repelir uma agressão iminente. Não é sair atirando para matar. Acontece que quem está portando uma arma de guerra certamente não está disposto a conversar ou negociar com as forças policiais e está na iminência de matar pessoas inocentes. Como professor e conferencista de Direito Penal há muitos anos, esta é a minha posição. Como governador, vou orientar que os policiais ajam desta forma, exatamente nos termos da lei. Mas a polícia será mais bem treinada e preparada, as operações serão mais cirúrgicas e filmadas, para evitar ilegalidades”, explicou o ex-juiz à ConJur.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), tem proposta semelhante, mas mais ampla. Ele quer criar uma “excludente de ilicitude” para que policiais que matam em serviço não tenham que prestar contas à Justiça. A ideia do presidenciável não é nova. O Exército e o governo Michel Temer vêm pedindo mais proteção jurídica para os militares que atuarem na intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. O objetivo é que eles não sejam punidos por atos e mortes em operações.

O artigo 23 do Código Penal estabelece que não há crime se o agente o pratica em legitima defesa. Já o artigo 25 define que age em legítima defesa quem, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Logo, o policial que atirar em uma situação de conflito, ou quando ele ou outra pessoa estiverem correndo risco, não será responsabilizado por homicídio. O que ele não pode fazer é disparar gratuitamente, quando isso não é necessário. Nesse caso, o agente responde por seu excesso doloso ou culposo.

Mas o Código Penal não admite a presunção de que o porte de fuzil significa agressão iminente, afirma o professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e advogado criminalista Salo de Carvalho. Segundo ele, é preciso que, efetivamente, haja um risco real de agressão.

“O simples fato de alguém portar uma arma não supre a necessidade de avaliação dos demais requisitos. Há necessidade de verificar, concretamente, se há uma situação de agressão real (não hipotética), atual ou iminente”, avalia Salo de Carvalho.

Nessa mesma linha, o advogado e professor de Criminologia e Direito Penal da UFRJ Reinaldo Santos de Almeida diz que a ideia de Witzel – semelhante à do Projeto de Lei 352/2017 – é uma “aberração jurídica”. A proposta, apresentada pelo senador José Medeiros (Podemos-MT), altera o Código Penal para presumir a legítima defesa quando o agente de segurança pública mata ou lesiona quem porta arma de fogo de uso restrito.

“A ‘legítima defesa presumida’, prevista no PLS 352/2017, de autoria do senador José Medeiros, é uma aberração jurídica, pois não se pode presumir uma situação justificante - o que não se confunde com a legítima defesa putativa, onde se atua em erro -, a qual tem requisitos objetivos, previstos no artigo 25 do Código Penal, tais como: o uso moderado dos meios necessários e suficientes para repelir agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou de terceiro. Ou seja: exige-se uma ação imediata ou em vias de ocorrer do suposto agressor. Na hipótese defendida de lege ferenda, sequer há agressão, mas mera presunção, baseado em meta-regras, estereótipos, idiossincrasias e indicadores sociais de pobreza, cor de pele, entre outros”.

Para o criminalista, a proposta do novo governador é uma verdadeira “licença para matar” e irá aumentar as execuções de moradores de favelas do Rio de Janeiro, bem como as fraudes processuais.

“À moda Charles Bronson, a ‘licença para matar’ irá nos conduzir para a barbárie, numa mistura de western com filme de ação tupiniquim, pelo aumento exponencial de homicídios - especialmente as execuções sumárias contra o povo pela polícia nas comunidades do Rio de Janeiro -, bem como de fraudes processuais, pois uma vez não se encontrando a arma de fogo de uso restrito em posse do cidadão assassinado, plantar-se-á uma no local do crime, a fim de legitimar a ação policial”, opina Reinaldo Santos de Almeida.

Quem, não sendo integrante de forças de segurança, porta um fuzil comete crime e pode ser preso em flagrante, afirma o advogado e professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró. No entanto, destaca, isso não permite que se conclua que a pessoa irá executar uma agressão ilícita, nem que se autorize o policial a atirar para matar.

“Imagine um atirador de elite, que esteja em um ponto no qual sequer possa ser visto, a olho nu, por alguém que ilegalmente porta um fuzil. Pela posição do governador, o atirador poderia ‘abater’ (o que se trata de um grotesco eufemismo) tal indivíduo. Essa pessoa, por certo, estará em atitude ilícita mas, certamente não está na iminência de agredir o atirador que, sequer está sendo avistado por ele. Para mim, isso seria homicídio, e não haveria legítima defesa”, argumenta Badaró.

Porém, o advogado Breno Melaragno Costa, professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, entende que, se alguém porta um fuzil, há uma situação de agressão iminente. Dessa forma, legalmente, o policial não precisa esperar que a pessoa ameace disparar ou dispare para atirar nela.

O problema, na visão de Costa, é que só é considerada legítima defesa a reação com o uso moderado dos meios necessários. E atirar para matar um portador de arma de uso restrito é excessivo, analisa. “O ideal seria um tiro que não necessariamente visasse matar de primeira”, destaca.

Decisão da Justiça

Como governador, Wilson Witzel pode ordenar que agentes de segurança “abatam” quem estiver com fuzil e determinar que a Polícia Civil enquadre os casos como mortes decorrentes de confronto policial, nas quais é presumida a legítima defesa. Porém, se o Ministério Público quiser, poderá continuar oferecendo ações penais nessas situações. E a palavra final, como sempre, será do Judiciário.

A única diferença seria a ordem do governador porque, na prática, a polícia do Rio já atira para matar nesses casos, declara Breno Costa. E essas investigações, que partem do pressuposto da legítima defesa do agente de segurança, normalmente são arquivadas, com aval do MP. De qualquer forma, se o órgão avaliar que assassinar uma pessoa com arma de guerra excede os limites da excludente de ilicitude, pode oferecer denúncia, ressalta o docente da PUC-Rio.

Já o criminalista e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini, colunista da ConJur, deixa claro que Witzel não terá poder para isentar policiais que matarem sujeitos com fuzis. “Quem decide se a situação é ou não de legítima defesa é o juiz ou o júri, e não o Poder Executivo”.

Assim, Bottini avalia que o agente de segurança que “abater” uma pessoa armada continuará correndo risco de ser condenado por homicídio, por mais que o governador afirme que não.

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