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19/09/2016  - Brasil: Uma mulher agredida a cada cinco minutos - Promotor divulga nova tese de feminicídio para reduzir impunidade
 
Antônio Rodrigues de Lemos Augusto - Confraria do Júri



Promotores de justiça defendem tese jurídica para dar efetividade à Lei do Feminicídio. Pela tese, a qualificadora criada pela Lei 13.104/2015, no que tange ao assassinato dentro do ambiente doméstico e familiar, tem natureza objetiva: Estando caracterizada a situação de violência doméstica, automaticamente está confirmada a qualificadora, mesmo que os jurados entendam que seja caso de homicídio privilegiado. Já há precedente para este entendimento, mais especificamente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Em síntese, com a qualificadora aplicada, a pena do homicídio será de 12 a 30 anos, enquanto – sem a qualificadora – é de seis a 20 anos.

A tese é relativamente nova, mas ganha corpo dentro do Ministério Público por obra do promotor de Justiça paulista, Márcio Friggi de Carvalho. Ele esteve em Cuiabá para participar do VI Encontro Estadual do Tribunal do Júri, promovido pela Associação dos Promotores do Júri (Confraria do Júri), em parceria com o Ministério Público Estadual, nos dias 15 e 16 de setembro. Friggi, que se tornou nacionalmente conhecido por ter sido o promotor do Caso Carandiru, foi enfático sobre o rigor que o Parquet precisa ter nos crimes de feminicídio.

Aprofundando o tema – A Lei 13.104 alterou o Código Penal para criar o Feminicídio em duas situações, conforme o novo §2ºA, do artigo 121. Uma delas, na morte ou na tentativa de homicídio de mulheres no ambiente doméstico familiar. E, a segunda, o assassinato por “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. O feminicídio será uma qualificadora objetiva no caso do crime no ambiente doméstico-familiar: configurando tal situação, aplica-se a qualificadora, independentemente das circunstâncias diretamente ligada ao ato. Isso porque há um histórico de violência doméstica que precisa ser considerado: o assassinato da mulher é o ápice desse histórico. Não é justo que o homem aproveite alguma eventual circunstância específica do momento do crime, que possa caracterizar o homicídio como privilegiado, para afastar a qualificadora.

Em um exemplo simples, Friggi cita a situação de esposa, que se casou cheia de sonhos e que passou a viver um histórico de violência doméstica, iniciando-se com ofensas verbais e culminando com agressões físicas cotidianas, durando anos. Fragilizada, a mulher se relaciona de forma extraconjugal com outro homem, sendo flagrada e assassinada. O promotor deve contextualizar tal fato ao histórico de violência doméstica, para manter a qualificadora do feminicídio, independentemente de eventual entendimento dos jurados pelo homicídio privilegiado.

No exemplo acima, aplicando-se o entendimento de que o feminicídio em ambiente doméstico e familiar tem natureza objetiva, o réu – favorecido pelos jurados por causa de homicídio privilegiado – teria redução da pena de um sexto a um terço sobre uma condenação que vai de 12 a 30 anos. Se, por outro lado, afasta-se a qualificadora do feminicídio por causa do homicídio privilegiado, o mesmo réu teria a diminuição da pena sobre uma condenação que vai de seis a 20 anos. Como juízes brasileiros se caracterizam pela aplicação da pena mínima, se condenado a seis anos, com a redução da pena, o réu provavelmente sairia em regime aberto ou, quando muito, em semiaberto. “Impunidade completa”, realça Friggi.

Este entendimento, do feminicídio no ambiente doméstico analisado objetivamente, permite inclusive combinar tal qualificadora com a de motivo torpe (artigo 121, §2º, I, CP). No exemplo de Friggi, suponhamos uma mulher que historicamente sofra situação de violência doméstica e, certo dia, é assassinada pelo marido simplesmente porque, quando ele chegou do trabalho, a janta não estava requentada. O histórico de violência doméstica caracteriza a aplicação da qualificadora do feminicídio. E a qualificadora do motivo torpe poderá ser cumulada pela situação do momento do crime. Duas qualificadoras juntas para evitar a impunidade do caso concreto.

Conclui-se que o promotor de justiça não pode compreender o feminicídio como um “motivo torpe diferenciado”, tanto que poderá pedir a própria aplicação da qualificadora da Lei 13.104, mais a qualificadora da torpeza. Para ter esta compreensão, o promotor do Júri precisa descer do pedestal da Tribuna e estudar a Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006. Isso porque a qualificadora do feminicídio em ambiente de violência doméstica é uma norma penal em branco em sentido amplo, ou seja, complementada pela lei que trata da mulher vítima em ambiente familiar.

Os promotores que atuam nas varas de violência doméstica e no Tribunal do Júri precisam se entender, em nome do combate à violência doméstica, que aumenta assustadoramente no Brasil: a cada cinco minutos, uma mulher é agredida no país. Friggi é enfático: “Eu preciso, sob pena de não honrar com a minha beca, buscar subsídios com o promotor da área. Se eu me distanciar do trabalho do promotor de violência doméstica, dizendo que feminicídio nada mais é do que uma qualificadora torpe específica, eu desvirtuo toda a intenção da norma. Se eu tenho dificuldade de entender a Lei Maria da Penha, terei a mesma dificuldade para aplicar o feminicídio”. A consequência é favorecer a impunidade e isso não representa o que a sociedade espera do Ministério Público.

Friggi, dirigindo-se a promotores de Justiça que recém ingressaram na carreira em Mato Grosso, realçou que, em grande parte, o Tribunal do Júri nas comarcas interioranas trata da morte de mulheres. Ele realça que o MP tem o dever de contribuir para mudar um entendimento equivocado de mundo cujo centro seja o homem. O feminicídio é a amostra mais perversa de uma realidade que persiste em existir e, inclusive, se aprofunda. O Brasil assumiu o compromisso internacional de buscar o equilíbrio nas relações de gênero, de encontrar o patamar da mulher na sociedade. “Precisamos abandonar o referencial de centro de poder na sociedade no elemento ‘homem’ e encontrarmos o ‘referencial humano’, não importando o sexo”, realça Friggi.

Ele é bastante direto: Se o promotor de Justiça aplica o feminicídio nas relações familiares como cláusula subjetiva, a famosa tese defensiva do “matou por amor” vai afastar a qualificadora da Lei 13.104. Isso porque a qualificadora do feminicídio se torna incompatível com o privilégio do “matou por amor”, muitas vezes aceito pelos jurados, já que passa a se relacionar com o elemento intencional do réu. “Só consigo harmonizar o homicídio privilegiado com o feminicídio se a tese da qualificadora objetiva for acolhida pelos jurados”, destaca.

A boa notícia é que a Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), em seu Enunciado 23, bateu o martelo: “A qualificadora do feminicídio, na hipótese do art. 121, §2º-A, inciso I, do Código Penal, é objetiva, nos termos do art. 5º da Lei n. 11.340/2006 (violência doméstica, familiar ou decorrente das relações de afeto), que prescinde de qualquer elemento volitivo específico”. A manifestação da Copevid é de 2015 e completa um ano em 22 de setembro, momento portanto de ganhar mais peso na jurisprudência por intermédio de sua aplicação nos julgamentos do Júri.

A relevância da tese se ressalta porque, no Direito Penal, a aplicação de pena ou de qualificadoras segue o conceito da demonstração de culpabilidade, ou seja, é realçada de forma “subjetiva”. Quando se aplica a qualificadora de feminicídio pela constatação de violência histórica doméstica, mesmo que haja circunstâncias favoráveis ao réu ligadas ao momento do ato criminoso, nada-se contra uma corrente doutrinária poderosa. Mas, como afirma Friggi, é este o caminho dos tratados internacionais que o Brasil segue nesta área e, certamente, é esta a compreensão do legislador que fez a norma.

A outra aplicação do feminicídio é no crime doloso contra a vida da mulher que não é parte do ambiente doméstico e familiar. Nesta situação, a mulher sofreu o crime por discriminação ou menosprezo de gênero. Aqui não é norma penal em branco em sentido amplo, ao contrário da outra situação que se respalda na Lei Maria da Penha. Não havendo o contexto de violência doméstica, resta apurar a intenção do réu, ou seja, se praticou o crime por preconceito, por menosprezo de gênero. Neste caso, tal crime é realmente de caráter subjetivo.

Cabe ao promotor de Justiça compreender que, sendo a mulher vítima de um homicídio ou de uma tentativa, a acusação será diferenciada: Se em razão de violência doméstica, aplica-se a qualificadora objetivamente; não sendo, será preciso apurar se houve motivação preconceituosa. Exemplo: a mulher que ocupa um cargo de elevada direção em uma empresa é assassinada por um diretor subalterno – sem qualquer vínculo familiar. O assassino praticou o crime por não aceitar receber ordens de mulher? O assassino praticou o crime, não em razão da condição de gênero, mas por disputa de poder dentro da empresa? O caráter subjetivo passa a ter essência na aplicação da qualificadora, diferentemente se a vítima fosse da relação familiar do réu, em que a qualificadora deve ser aplicada, simplesmente.



Passional? - Dizem que o Brasil é a sétima potência econômica do mundo. Na verdade, o ranking a ser considerado é de outra natureza. O Brasil é, covardemente, o sétimo país do mundo em feminicídio. É raro verificarmos homens assassinados por mulheres. Mas notícias de mulheres sendo vítimas são diárias, cotidianas. A tese de defesa, em regra, tenta a vitimização do homem, manipulando sentimentos. Márcio Friggi diz que a tese de homicídio passional deve ser combatida radicalmente. “O réu que alega crime passional buscando a redução de pena é antes de tudo um narcisista egoísta. Ele se elege como centro do amor. A pessoa não tem o direito de deixar de amá-lo. O indivíduo egoísta não tem sentimento nobre. O sentimento é de posse, de objetificação da mulher”, realça Friggi.

O promotor paulista cita o jurista Roberto Lyra: “O verdadeiro passional não mata. O amor é, por natureza e por finalidade. Criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para os fins da responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é o ódio. Amor não figura nas cifras da mortalidade e sim nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos”. O texto de Lyra, além de afastar a tese de crime passional, reforça a necessidade de se deixar de considerar a responsabilidade penal “apenas no momento do crime”, principalmente quando se tratar de violência doméstica e familiar.

A partir do momento que se entende o feminicídio no âmbito familiar como norma objetiva, a tese do crime passional não interfere mais na qualificadora. Mas é preciso que os jurados tenham uma visão clara de que há um contexto de violência doméstica instaurado há tempos, de forma que qualquer alegação de passionalidade perca o sentido se vista no decorrer do período em que a mulher sofreu nas mãos do réu. A ideia de que, havendo dolo do réu, o feminicídio se aplica nas relações domiciliares, em nada interferindo qualquer outra alegação subjetiva de crime passional, deve se espalhar pelos corpos de jurados do país. Este é um dos caminhos necessários para que o Brasil deixe o sétimo lugar mundial em feminicídio.

O promotor de Justiça deve ter cautela com qualquer manifestação dele que possa favorecer a alegação de crime passional durante o andamento do processo. Deve buscar provas do histórico de violência doméstica, não apenas nos meios policiais, já que – não raro – a vítima nunca denunciou o algoz à polícia. Deve procurar provas nos órgãos de assistência social, no pronto socorro próximo, nos postos de saúde da redondeza, nos relatórios das varas de violência doméstica. A vítima sempre era atendida pela rede psicossocial do posto médico? Sempre recebia receitas de medicamentos antidepressivos? Podem ser provas da situação de violência doméstica.

Não só. O promotor deve buscar eventuais ações cíveis que possam demonstrar a agressividade para com a vítima: discussões sobre alimentos ou guarda de filhos, por exemplo. O processo deve estar recheado de elementos que demonstrem que a morte da mulher ocorreu dentro de um rito de sofrimento que se desenrolava há tempos, sendo uma consequência e que, portanto, não pode ser vista de forma isolada. Entendida assim, a qualificadora de feminicídio nas relações domésticas será aplicada de forma objetiva.

O promotor paulista realçou que, em casos de tentativa de homicídio, sempre faz questão da oitiva da vítima, mesmo correndo o risco de ela negar tudo o que disse no inquérito policial ou mesmo nas fases processuais anteriores. Infelizmente, tal situação é comum. A mulher precisa ter a oportunidade de falar no Júri, diz Márcio Friggi. Se mentir inocentando o réu, cabe ao promotor reverter a mentira com a contextualização dos fatos. Isso porque, se a vítima muda a sua versão em favor do criminoso, normalmente é porque depende economicamente dele ou porque está com medo, já que é comum que o acusado responda o processo em liberdade. O promotor precisa demonstrar essa realidade para os jurados. Esse medo da vítima em falar a verdade é mais um motivo de condenação do réu.

Outro fator de mentira é a crença que muitas vítimas têm de que o acusado irá mudar a conduta dele. O promotor de Justiça precisa agir com firmeza para que tal crença não seja enterrada junto com a própria mulher, o que pode ser a consequência de uma absolvição no júri. Uma das armas para sensibilizar o corpo de jurados é o promotor aproveitar o seu tempo de manifestação no Júri para apresentar vídeos rápidos sobre a fragilização de uma mulher submetida à violência doméstica. Friggi realçou que, como tais vídeos não se relacionam diretamente a fatos do crime em si, não há qualquer necessidade de juntada prévia ao Júri e que o juiz não pode impedir a exibição.

É esta atuação que a sociedade precisa obter do promotor do Júri: não a de um promotor que simplesmente considere o feminicídio como um tipo de torpeza qualificada. Mas a de um promotor que, conhecendo a Lei Maria da Penha, fundamente o feminicídio perante os jurados para conseguir a aplicação da qualificadora bastando a demonstração do contexto de violência doméstica: se há violência doméstica, há qualificadora de feminicídio – simples assim. Friggi indica trabalho desenvolvido pelas Nações Unidas: O modelo de protocolo latino-americano de investigação das mortes violentas de mulheres por razões de gênero (clique aqui).



Qual a relação o promotor deve ter com a vítima de uma tentativa de feminicídio ou com os familiares? - Promotor não pode fechar a porta da Promotoria: “O quadro é de assistência absoluta, porque a vítima está em nível extremo de fragilização”, realça Friggi. Mais: O promotor de Justiça deve se lembrar que tem o dever de pedir que o juiz criminal determine a indenização de reparação civil prevista no Código de Processo Penal. Por mais que este valor não seja definitivo, já que a vítima ou seus familiares podem buscar a sua majoração em ação civil ex delicto, sabemos que em muitos casos tal ação não existirá.

Mesmo havendo morte, existem as vítimas indiretas: filhos, pais, irmãos. Eles têm direito à indenização cível. “Incluam pedido de indenização mínima”, ressalta Friggi. Se há pedido de indenização mínima no processo penal, o promotor – mesmo no processo criminal – poderá cuidar de medidas cautelares que garantam a satisfação do valor ao final do processo, como arrestos, sequestros e hipoteca legal. “O promotor tem que oferecer proteção integral às vítimas, não apenas no aspecto penal. Não adianta eu fazer um belo júri se deixei a vítima ou seus familiares desassistidos de forma psicológica, assistencial e patrimonial. Temos que ir muito além do trabalho em plenário. Eu preciso abrir a cabeça e entender o sistema de proteção às vítimas de feminicídio. Não basta conseguir a pena privativa de liberdade em face do réu”, realça Márcio Friggi.

Claro que todo este trabalho vai por água abaixo se o promotor não vence o Júri. E, para vencer o Júri, o promotor precisa se preocupar com o perfil de jurados. Uma análise técnica é necessária sempre. O promotor deve consultar, por exemplo, o nome do jurado junto aos registros de boletins de ocorrência: será que aquele jurado tem alguma relação com ocorrência policial de violência contra a mulher? Há ainda as fontes abertas, como facebook e google. É só um exemplo que indica: Cada Ministério Público Estadual precisa criar mecanismos para que o promotor de Júri tenha tranquilidade no momento de exercer o seu direito de recusar jurado.

O presidente da Confraria do Júri, promotor César Danilo Ribeiro de Novais, ressalta que a Associação dos Promotores do Júri completou dez anos em julho de 2016. Já a Lei Maria da Penha fez aniversário de uma década em agosto de 2016. “A Confraria do Júri cumpre o seu papel de incentivar o debate jurídico em defesa da sociedade, viabilizando a apresentação de uma tese de ordem prática essencial para o cidadão. A Confraria completou dez anos de existência junto com a Lei Maria da Penha. Sempre a defendemos e continuaremos enfáticos em sua defesa”, finaliza. Além de Márcio Friggi, participaram do VI Encontro, abordando outros temas jurídicos, o doutrinador Edilson Mougenot Bonfim; o promotor de Justiça em São Paulo, Alexandre Rocha Almeida de de Moraes; e o promotor de Justiça em Goiás, Danni Sales.
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- Clique aqui e leia matéria do MP-MT sobre a abertura do evento.

- Clique aqui e relembre entrevista de Márcio Friggi a este site abordando o tema Tribunal do Júri.

- Clique aqui e leia sobre a atuação do promotor Márcio Friggi no julgamento dos réus do Massacre do Carandiru.


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