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04/02/2021  - Em defesa do Júri
 
César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça do Tribunal do Júri – Ministério Público de Mato Grosso. Ex-presidente da Confraria do Júri.

Há mais de um século, o polímata brasileiro Ruy Barbosa afirmou que “há, em verdade, na questão do júri, duas classes de reformadores distintas: a dos seus adeptos, que, crentes na eficácia da instituição, se empenham em aperfeiçoá-la e a dos seus antagonistas, que, mediante providências inspiradas no pensamento oposto, buscam cercear e desnaturar progressivamente essa tradição, até que a eliminem”.

No dia 03 de fevereiro de 2021, em sessão de julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, a instituição do Tribunal do Júri sofreu duro golpe verbal. Na ocasião, o ministro Dias Toffoli afirmou que “há que se acabar com o Tribunal do Júri, porque ele é um instituto falido, que não se presta a penalizar, a sancionar, o que gera sentimento de impunidade na sociedade".

Ao que parece, as palavras do ministro, infelizmente, o escalam na segunda classe apontada pelo grande pensador, pois, como afirmou, ele almeja a extinção da instituição milenar.

É verdade que, frequentemente, o Tribunal do Júri não se mostra eficiente para a imediata punição de assassinos. A justiça acaba se tornando tardia porque ignoram a essência da soberania dos veredictos. Mas é importante esclarecer que isso decorre da jurisprudência vigente nos tribunais superiores. Não é culpa da instituição, nem dos jurados.

É preciso que os magistrados - do juiz substituto ao presidente da Suprema Corte – façam parte da primeira classe discriminada por Ruy Barbosa. É necessário aperfeiçoar a instituição do Júri. E isso demanda pouco esforço, podendo ser realizado de forma rápida e eficiente. Basta vontade.

O jurado, ainda que não letrado no Direito, traz consigo a centelha divina, e sabe muito bem discernir o certo do errado, o lógico do ilógico, o racional do irracional, o bem do mal, o justo do injusto, o legal do ilegal e o que deve do que não deve ser feito.

Conforme o artigo inaugural da Constituição Federal, todo poder emana do povo, que, em regra, é exercido por seus representantes. É a mais clara previsão da soberania popular e do regime democrático.

Compensando o déficit de democracia no Judiciário, já que seus membros não são escolhidos pelo povo, o constituinte estabeleceu dentre os direitos e garantias fundamentais a instituição do Tribunal do Júri, com a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida.

Isso importa dizer que, diante de um ataque à fonte de todos os direitos humanos, a vida, quem julga é o cidadão-jurado, que, ao lado de seus pares, compõe o Conselho de Sentença no Tribunal do Júri.

Desse modo, nesta nobilíssima função de juízes, os jurados exercem o poder sem intermediários, estão no exercício ostensivo da cidadania e são os protagonistas na aplicação da justiça ao caso concreto.

Em consequência, os veredictos dos jurados são soberanos, o que significa dizer que a última e definitiva palavra nos crimes dolosos contra a vida não pertence ao juiz, desembargador ou ministro, senão ao povo. Mais que isso: as decisões dos jurados têm eficácia imediata: absolveram, rua; condenaram, cadeia.

O Tribunal do Júri é o palco democrático do Judiciário em que o povo tem vez e voz. Nesse palco, a justiça é fruto de genuína democracia, pois decorre diretamente de pessoas idôneas, oriundas do povo.

Jurados não erram por vontade, porém, se e quando erram o fazem por entendimento ao analisarem mal os fatos, as provas ou os textos legais.

É preciso que operadores jurídicos, sobretudo juízes, desembargadores e ministros, povoem a primeira classe estipulada por Ruy Barbosa.

Na atualidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm a faca e o queijo nas mãos para que o Tribunal do Júri seja legitima e justamente aperfeiçoado, com a aplicação do texto constitucional. Vale dizer, têm o poder-dever de cooperar para a contenção e redução de assassinatos no país. Como? Julgando a favor da vida e da sociedade no Recurso Extraordinário 1235340, que trata do cumprimento imediato da condenação pelo Júri, e no Agravo Regimental 1225185, que cuida da garantia de recurso ao Ministério Público contra absolvição injusta no Júri. É só quererem!

É uma afronta ao direito à vida, à coesão social, ao sentimento mais básico de justiça, à soberania popular, à democracia e à cidadania alguém, com a franquia da plenitude de defesa, ser publicamente julgado e condenado legitimamente pelo titular de todo o poder, o povo, e deixar o Tribunal do Júri livre e solto para recorrer em liberdade, cujo recurso servirá apenas para procrastinar a concretização da jurisdição, haja vista a impossibilidade de reforma do veredicto condenatório por outro órgão judicial. É um escárnio à família pranteada, à sociedade desfalcada e à comunidade indignada. O sentimento de impunidade é pernicioso à ordem social, ao progresso civilizacional e, principalmente, à proteção dos direitos humanos.

Tudo isso também ocorrerá diante de absolvições teratológicas, quais sejam, aquelas totalmente contrárias às provas do processo ou ao arrepio das leis, ao negarem recurso ao Ministério Público, diante de clara impunidade de assassinos. Em qualquer Estado Democrático de Direito, não existe poder incontrolável e a impunidade de caçadores de gente aniquila todos os ditames civilizacionais.

Afinal, a lógica demonstra que, em regra, a decisão popular manifestamente contrária à prova dos autos ocorre no caso de absolvição arbitrária, uma vez que, para fins de julgamento pelo Tribunal Júri, o mesmo foi devidamente filtrado pelo Judiciário, em um juízo técnico, tanto pelo recebimento da denúncia como pela pronúncia (prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria/participação) - muitas vezes com sua confirmação pela instância recursal -, o que torna raro que um processo sem lastro probatório mínimo para a condenação seja submetido à apreciação dos jurados. Assim, no Tribunal do Júri, há maior risco de absolver o culpado do que condenar o inocente, em razão de todo o processamento dos crimes dolosos contra a vida.



Ante a declaração do ministro Dias Toffoli, é oportuno trazer aos dias que correm o pensamento de alguém que integrou com destaque a primeira classe citada por Ruy Barbosa. Trata-se de Antonio Eugenio Magarinos Torres (1913 – 1942), que viveu intensamente o Tribunal do Júri. No exercício da magistratura, presidiu muitos julgamentos populares. Como estudioso das letras jurídicas, redigiu e publicou a obra “Processo Penal do Júri no Brasil”. Com acurácia, experiência e sabedoria chegou a esta conclusão: “Ninguém dirá que um sábio julga melhor que o leigo o seu vizinho”.

Por tudo isso, e muito mais, o Tribunal do Júri clama, reclama e conclama por uma defesa completa, perfeita e plena, e não de acusação, detração e condenação como fazem alguns. Para tanto, basta que os membros do Judiciário deem à soberania dos veredictos o que lhe é de direito, qual seja, a efetividade imediata de suas decisões, e à sociedade o direito de recorrer contra absolvições injustas em busca de novo julgamento.

Em conclusão, um voto: que os membros do Judiciário, ao examinarem a eficácia e a eficiência do julgamento soberano pelo povo no Tribunal do Júri, se lembrem da grande escritora brasileira Adélia Prado: "Não quero faca nem queijo; quero é fome".

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