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10/09/2019  - Teses do STJ sobre o Tribunal do Júri - 1ª parte
 
Rogério Sanches Cunha, promotor de Justiça - Estado de São Paulo; professor de Direito e Processo Penal do CERS Cursos Online e Vorne Cursos; autor de livros pela Editora Juspodivm; Fundador do MeuSiteJurídico.com e do MeuAppJurídico.

Comentamos em outra oportunidade a edição nº 78 da Jurisprudência em Teses do STJ, que trata do Tribunal do Júri. Nesta oportunidade, ainda sobre o Tribunal do Júri, tratamos da edição nº 75, que será apresentada em duas partes.

***

1) O ciúme, sem outras circunstâncias, não caracteriza motivo torpe.

O homicídio é qualificado pelo motivo torpe, segundo estabelece o inc. I do § 2º do art. 121 do Código Penal. Dá-se a torpeza quando a razão do delito é vil, ignóbil, repugnante, abjeta. O clássico exemplo está estampado logo na primeira parte do inciso em comento, com o homicídio mercenário ou por mandato remunerado. Aqui o executor pratica o crime movido pela ganância do lucro, é dizer, em troca de alguma recompensa prévia ou expectativa do seu recebimento (matador profissional ou sicário).

Mas não é somente esta circunstância que pode caracterizar a qualificadora, tanto que a redação do dispositivo se encerra com a fórmula genérica “ou por outro motivo torpe”, que pressupõe interpretação analógica diante de fatos que, por suas circunstâncias, revelem especial vileza ou repugnância.

Duas circunstâncias nas quais recai certa controvérsia são a vingança e o ciúme, de que trata esta tese. Indaga-se se, em termos gerais, há torpeza na ação de quem age movido pelo desejo de retaliação ou influenciado por um estado emocional provocado pela ânsia de exclusividade do sentimento alheio.

Tais circunstâncias podem caracterizar a qualificadora, mas desde que o caso concreto revele a especial repugnância que é essencial à torpeza:

“3. Motivo torpe é aquele que, em razão de sua natureza vulgar, medíocre e vil, desvia-se dos padrões de moralidade aceitos, em geral, pela sociedade. O inconformismo com o término de relacionamento não se enquadra em um contexto capaz de despertar especial repúdio, e, por isso, não tem o condão de, por si só, fazer incidir a qualificadora de motivo torpe, sobretudo quando se tem notícia nos autos de que estaria preenchido pelo sentimento de ciúme. 4. “O ciúme, por si só, sem outras circunstâncias, não caracteriza o motivo torpe.” (HC 123.918/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2009, DJe 05/10/2009).“ (HC 198.377/SP, j. 24/09/2013)

2) Cabe ao Tribunal do Júri decidir se o homicídio foi motivado por ciúmes, assim como analisar se referido sentimento, no caso concreto, qualifica o crime.

Vimos na tese anterior que as circunstâncias do caso concreto é que devem indicar se determinado homicídio motivado por ciúme é qualificado pela torpeza. A tese nº 2 deixa claro que a análise circunstancial deve ser feita pelos jurados, não pelo juiz que preside a primeira fase do procedimento do júri. Segue-se, com isso, a regra de que as qualificadoras devem ser submetidas a votação pelos juízes leigos, admitindo-se sua exclusão pelo juiz apenas em situações excepcionais nas quais se revele evidente a improcedência da imputação qualificada:

“1. Hipótese em que a instância de origem decidiu pelo afastamento da qualificadora do motivo torpe, sob o entendimento de se tratar de adjetivadora manifestamente improcedente. 2. Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que “cabe ao Tribunal do Júri decidir, no caso em concreto, se o ciúme configura ou não a qualificadora de motivo torpe”. (AgRg no AREsp 1.128.138/MG, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 27/09/2017). 3. Esta Corte detém o entendimento de que as qualificadoras somente podem ser afastadas quando se revelarem manifestamente improcedentes. 4. Recurso provido.” (REsp 1.706.918/RS, j. 03/05/2018)

3) Na fase de pronúncia, cabe ao Tribunal do Júri a resolução de dúvidas quanto à aplicabilidade de excludente de ilicitude.

A tese nº 3 é um tanto mal redigida, pois nada cabe ao Tribunal do Júri na fase de pronúncia, na qual é o juiz quem decide se deve pronunciar o acusado segundo a prova resultante da primeira fase do procedimento,. Na realidade, o que se quer dizer nesta tese é que, na fase de pronúncia, aplica-se o princípio in dubio pro societate, segundo o qual, na dúvida a respeito de alguma circunstância que possa beneficiar o acusado, o juiz não pode decidir por si mesmo, mas deve pronunciar para que os jurados analisem as teses apresentadas e decidam soberanamente.

É o que ocorre, por exemplo, na legítima defesa, que pode não ser cabalmente comprovada na instrução da primeira fase. Suponhamos que a testemunha “A” afirme que o acusado apenas reagiu ao ataque da pessoa que foi morta. Mas, ao mesmo tempo, a testemunha “B” afirma que o acusado provocou a vítima ao ponto das vias de fato justamente para gerar o ataque e, com isso, justificar sua própria reação. Se isto ocorre, o juiz não pode acolher a tese da conduta justificada em detrimento da outra tese que sustenta a ocorrência do crime. Somente os juízes leigos são legitimados para dirimir o conflito surgido da dubiedade da prova:

“Aplica-se a Súmula 83 do STJ ao recurso especial quando o entendimento da instância ordinária foi de que, havendo dúvida sobre a tese da legítima defesa arguida em favor do acusado, mostra-se descabida a absolvição sumária, em atenção ao princípio “in dubio pro societate”, devendo ficar a apreciação da conduta do réu para o Tribunal do Júri, sob pena de usurpação de sua competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida. Isso porque tal entendimento está em consonância com precedente desta Corte Superior.” (AgRg no AREsp 872.992/PE, j. 21/06/2016)

4) A exclusão de qualificadora constante na pronúncia só pode ocorrer quando manifestamente improcedente e descabida, sob pena de usurpação da competência do Tribunal do Júri.

Trata-se de mais uma consequência do in dubio pro societate, que já mencionamos. Se o Ministério Público imputa um homicídio qualificado, e o juiz decide proferir sentença de pronúncia, em regra deve seguir a imputação com todas as circunstâncias trazidas pelo órgão da acusação, a não ser que se trate de algo absolutamente descabido, sobre o qual a instrução probatória não trouxe nenhum elemento indiciário. Se, por exemplo, o Ministério Público ofereceu denúncia por homicídio qualificado pela torpeza porque o agente matou alguém para receber uma herança, mas a defesa sustenta a tese de que, na realidade, tratou-se de homicídio privilegiado porque o agente estava dominado pela violenta emoção devido à injusta provocação da vítima ocorrida no mesmo momento, o juiz não pode acatar a segunda tese e desprezar a qualificadora a não ser que a prova produzida afaste completamente a possibilidade da torpeza:

“Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, somente devem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes ou sem nenhum amparo nos elementos dos autos, sob pena de usurpação da competência constitucional do tribunal do júri, situação que não ocorreu na espécie. Precedentes.” (AgRg no AREsp 1.055.463/RJ, j. 15/08/2019)

5) A complementação do número regulamentar mínimo de 15 (quinze) jurados por suplentes de outro plenário do mesmo Tribunal do Júri, por si só, não enseja nulidade do julgamento.

O Tribunal do Júri é composto por um juiz togado e por vinte e cinco jurados sorteados dentre os alistados. Destes vinte e cinco, sete devem compor o Conselho de Sentença em cada uma das sessões de julgamento.

No dia da sessão de julgamento, o juiz presidente verifica se a urna contém as cédulas relativas aos vinte e cinco jurados sorteados, mandando que o escrivão proceda à chamada. Se comparecerem ao menos quinze jurados, o juiz deve declarar instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento. Destes jurados, são sorteados os sete que comporão o Conselho de Sentença naquela sessão.

Caso não haja quinze jurados, determina o art. 464 do CPP que se proceda ao sorteio de tantos suplentes quantos sejam necessários, designando-se nova data de julgamento. Mas o STJ firmou a tese de que a complementação para chegar ao número de quinze pode ser feita por jurados suplentes de outro plenário do mesmo Tribunal do Júri, evitando-se assim o adiamento da sessão, sem que se cogite nulidade:

“Com efeito, consta da ata da sessão do júri que, no dia do julgamento do paciente, compareceram 16 jurados, dos quais os números 14, 15 e 16 vieram de outro plenário para compor o número legal, com a concordância das partes (fl. 49).

Sobre a matéria posta em discussão, destaco que este Superior Tribunal possui o entendimento consolidado de que “a convocação de jurado de um dos plenários do Tribunal do Júri da Capital de São Paulo para complementar o número regulamentar mínimo de quinze jurados do conselho de sentença de outro plenário não caracteriza nulidade por violação da regra do art. 442 do CPP (redação anterior à da Lei n. 11.689, de 6/6/2008). Precedentes.” (HC n. 227.169/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 11/2/2015).

(…)

Assim, não identifico nenhuma irregularidade na formação do Conselho de Sentença que condenou o paciente pela prática do crime de homicídio.

Ademais, verifico que, declarada aberta a sessão plenária de julgamento, a defesa, em nenhum momento, se insurgiu contra a formação do Conselho de Sentença. Ao contrário, consta da referida ata que “os jurados de nº 14 a 16 vieram vieram do Plenário 8 para compor o número legal, com a concordância das partes” (fl. 49, destaquei).” (HC 168.263/SP, j. 20/08/2015)

6) Viola o princípio da soberania dos veredictos a anulação parcial de decisão proferida pelo Conselho de Sentença acerca da qualificadora sem a submissão do réu a novo Júri.

Tratando-se de recurso contra a decisão dos jurados, parte da jurisprudência admite que o Tribunal de Justiça afaste a qualificadora, fazendo a mera correção da pena, com base no disposto no art. 593, inc. III, “c”.

Predomina porém a orientação de que a qualificadora, no homicídio doloso, compõe o tipo penal, naquilo que se chama tipicidade derivada, e, por isso, se o Tribunal reconhece que sua aceitação pelos jurados foi contrária à prova dos autos, deve anular o julgamento para que um outro seja realizado, e não simplesmente retificar a pena imposta. Afinal, como adverte Tourinho Filho, “o motivo fútil que toma como exemplo, no crime de homicídio, não é, pura e simplesmente, uma circunstância da pena. Muito embora o seja na maioria dos crimes, em se tratando de homicídio doloso, ele se converte e se transmuda em elemento constitutivo. Desse modo, sendo ele elementar do crime de homicídio qualificado, passa a compor o crime. Se fosse mera circunstância da pena, o Juiz da pronúncia não o invocaria, porquanto a circunstância da pena não pode ser invocada na pronúncia, que é sentença de natureza processual, e sim nas decisões definitivas. Entretanto, se a acusação sustenta a existência do motivo fútil e o Juiz a reconhece, estará obrigado a invocá-la na pronúncia, por força do art. 416 do CPP” (Processo penal, ob. cit., vol. 4, p. 384). Claro: fosse dado ao Tribunal de Justiça corrigir a pena imposta para afastar a qualificadora, restaria quebrado todo o sistema que garante a soberania dos veredictos, pois aqui já não se trataria de mera redução da pena, mas sim de nítido afastamento de qualificadora expressamente admitida pelos jurados, com indevida incursão no mérito da decisão, de resto vedada ao órgão ad quem. É exatamente este o fundamento da tese nº 6:

“1. Esta Corte Superior já firmou o entendimento de que não se pode admitir a desconstituição parcial da sentença proferida pelo Tribunal Popular quanto às qualificadoras ou às privilegiadoras, sob pena de ofensa ao princípio da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988) e ao disposto no art. 593, § 3º, do Código de Processo Penal, que determina a submissão do réu a novo julgamento quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. 2. Recurso especial provido para determinar a submissão do recorrido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo.” (REsp 1.667.832/SP, j. 20/03/2018)

7) A ausência do oferecimento das alegações finais em processos de competência do Tribunal do Júri não acarreta nulidade, uma vez que a decisão de pronúncia encerra juízo provisório acerca da culpa.

Segundo o art. 411 do CPP, a regra é que a mesma audiência reúna as declarações do ofendido (se possível), a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, os esclarecimentos dos peritos, as acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, o interrogatório do acusado e os debates, após os quais o juiz proferirá a sentença de pronúncia, impronúncia ou de absolvição sumária, ou poderá fazê-lo no prazo de dez dias.

Não é raro, porém, que se opte por manifestações escritas no lugar dos debates orais, especialmente em casos de maior complexidade. Se, no entanto, as alegações escritas não forem apresentadas e o réu for pronunciado, não se decreta nulidade, pois a sentença de pronúncia não estabelece a responsabilidade penal, mas apenas analisa elementos mínimos segundo os quais se justifica a apreciação do fato pelo Tribunal do Júri:

“1. O Paciente, denunciado pelo crime de homicídio qualificado, foi assistido, durante a instrução criminal, por Advogado constituído, em estrita observância aos princípios do devido processo legal e contraditório. 2. Consoante reiterado entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, nos processos da competência do Juri Popular, o não oferecimento de alegações finais na fase acusatória (iudicium accusationis) não é causa de nulidade do processo, pois o juízo de pronúncia é provisório, não havendo antecipação do mérito da ação penal, mas mero juízo de admissibilidade positivo ou negativo da acusação formulada, para que o Réu seja submetido, ou não, a julgamento perante o Tribunal do Júri, juízo natural da causa. 3. Recurso ordinário desprovido.” (RHC 103.562/PE, j. 08/11/2018)

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