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20/12/2017  - Lei 13.546: Altera disposições do Código de Trânsito Brasileiro
 
Rogério Sanches Cunha, professor de Direito e Processo Penal do CERS CONCURSOS. Promotor de Justiça - Estado de São Paulo

Nos últimos anos foram várias as alterações promovidas no Código de Trânsito Brasileiro para tentar lidar com mais rigor com os cada vez mais numerosos casos de graves acidentes de trânsito decorrentes de embriaguez ao volante.

A multiplicidade de mortes e lesões gravíssimas provocadas nesses acidentes levou, inicialmente, à aprovação de medidas mais severas para a punição da embriaguez, o que se deu pela Lei 11.705/08 (apelidada de “Lei Seca”) e, posteriormente, pela Lei 12.760/12, que aprimorou a redação do art. 306 do CTB, corrigindo falhas que a Lei 11.705/08 havia provocado e que dificultavam a punição, não obstante seu propósito houvesse sido o contrário.

Subsequentemente, outras leis foram aprovadas para modificar as disposições relativas aos crimes de homicídio culposo, de lesão corporal culposa e de competição ilegal cometidos na direção de veículo automotor.

Originalmente, o art. 302 da Lei nº 9.503/97 punia, no caput, com pena de detenção de dois a quatro anos, a conduta de praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor e, no parágrafo único, trazia causas de aumento de pena. A partir da vigência da Lei nº 12.971/14, ao caput do art. 302 se somaram dois parágrafos: o primeiro dispunha a respeito das mesmas majorantes e o segundo trazia uma qualificadora.

A nova qualificadora se referia ao fato de o agente causar a morte conduzindo veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determinasse dependência ou participando, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, hipótese em que a pena passava a ser de reclusão de dois a quatro anos. A então nova legislação não alterava o quantum da pena em relação ao caput, mas modificava sua natureza, que passava de detenção para reclusão, com a clara intenção de possibilitar ao juiz a imposição de regime inicial fechado nos casos de agente reincidente, providência impossível na figura básica do crime diante da vedação a que a pena de detenção tenha seu início no regime mais severo.

De acordo ainda com a ordenação da Lei nº 12.971/14, o art. 308 passou a conter dois parágrafos: o primeiro qualificando o crime e impondo pena de reclusão de três a seis anos se de sua prática resultar lesão corporal de natureza grave; o segundo, também qualificador, estabelecendo pena de reclusão de cinco a dez anos se da conduta do caput resultar a morte. Em ambos os casos, a lei estabelece que estas disposições incidem se as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo (a lesão ou a morte hão de ser, necessariamente, culposas).

A modificação introduzida pela Lei nº 12.971/14 no art. 302 causou dois problemas: um relativo ao concurso entre o homicídio e a embriaguez na direção de veículo automotor, outro concernente ao conflito entre o § 2º do art. 302 e o § 2º do art. 308:

a) Homicídio x embriaguez: a embriaguez na direção de veículo automotor era, originalmente – além de infração penal autônoma tipificada no art. 306 –, causa de aumento de pena do homicídio culposo. Posteriormente, a causa de aumento foi revogada pela Lei nº 11.705/08, com o propósito de tornar possível o concurso de crimes entre o homicídio e a embriaguez. Com a introdução da qualificadora do § 2º do art. 302, promovida pela Lei nº 12.971/14, o concurso de crimes se tornou novamente impossível, pois a embriaguez servia para qualificar o homicídio. Por isso, o concurso entre os delitos seria considerado bis in idem.

b) Homicídio culposo qualificado x competição não autorizada qualificada: vigorando a Lei nº 12.971/14, havia disposições conflitantes a respeito da morte culposa, no contexto de competição não autorizada, cometida na direção de veículo automotor. Neste caso, indagava-se: quando da competição ilegal decorresse a morte, o agente tinha sua conduta subsumida ao art. 302, § 2º ou ao art. 308, § 2º? E havia dois posicionamentos: 1) devia ser aplicado o art. 302 porque, instalado o conflito, era a norma mais favorável ao agente; 2) devia ser aplicado o art. 308, pois, no desencadeamento dos fatos, o que ocorre primeiro é a competição ilegal; o condutor do veículo que participa, em via pública, de competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, causando perigo de dano à incolumidade alheia, consuma o crime do art. 308, independentemente de qualquer resultado lesivo a terceiro; se há morte, esta provém daquele fato. Ora, se a morte decorre do fato consumado, é natural que este seja qualificado pelo resultado mais grave. Seria irrazoável, e ilógico, considerar a competição como qualificadora do crime de homicídio se, em todos os casos, a morte havia de ser decorrência involuntária da conduta anterior. Tratava-se, simplesmente, de prestigiar a aplicação do princípio da especialidade.

Para dirimir estas questões, a Lei nº 13.281/16 revogou o § 2º do art. 302. Assim, o homicídio cometido na direção de veículo automotor por agente embriagado passou a ensejar novamente o concurso entre os arts. 302 e 306. Além disso, ocorrida a morte culposa em competição não autorizada, o crime é o do art. 308, § 2º.

No entanto, a entrada em vigor da Lei nº 13.546/17 impõe nova disciplina na relação entre os crimes de homicídio e lesão corporal e o crime de embriaguez ao volante, afastando-se novamente a possibilidade de concurso.

Com efeito, a nova lei acrescenta nos artigos 302 e 303 parágrafos que tratam a embriaguez como circunstância qualificadora dos crimes de homicídio e lesão corporal culposos.

No caso do homicídio, se o motorista causador da morte estiver dirigindo sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, a pena passa a ser de reclusão de cinco a oito anos (art. 302, § 3º). Já no caso da lesão corporal culposa, se o agente estiver com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena passa a ser de reclusão de dois a cinco anos.

Antes de mais nada, uma nota: Percebe-se uma vez mais que a introdução de nova legislação tratando com o devido rigor graves condutas que têm se multiplicado revela a defasagem de determinadas penas cominadas no Código Penal. O homicídio culposo cometido sob a influência de álcool passa a ter pena mínima de cinco anos, ao passo que o homicídio doloso do art. 121 do CP tem pena mínima de apenas seis anos. Na lesão corporal a desproporcionalidade é ainda maior, pois, no Código Penal, a lesão dolosa de natureza grave tem pena mínima de um ano e a gravíssima é apenada com no mínimo dois anos; na nova disciplina do CTB, a lesão culposa grave ou gravíssima cometida sob a influência de álcool é apenada com no mínimo dois anos. Estas novas penas nos crimes de trânsito, dada a relevância da lesão aos bens jurídicos que se busca tutelar, são adequadas, mas revelam a necessidade de uma análise profunda de determinadas reprimendas cominadas no Código Penal, cujas disposições, em muitos casos, não têm garantido a devida retribuição a condutas de alta gravidade.

Dito isso, sigamos na análise da nova lei.

Como se extrai dos destaques feitos acima, as qualificadoras não incidem nos exatos mesmos termos no homicídio e na lesão corporal. Isto porque, no homicídio, faz-se referência tão somente à influência de álcool ou outra substância semelhante, ao passo que, na lesão corporal, o agente deve estar com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de substância semelhante.

No primeiro caso, basta que se demonstre a ingestão da substância; no segundo, é necessário estabelecer que a ingestão de álcool alterou a capacidade psicomotora do motorista. Com esta segunda fórmula, segue-se o disposto no art. 306 do CTB, que pune a embriaguez ao volante nos seguintes termos: “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”.

O novo § 2º do art. 303 faz menção à lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, mas o CTB não define as hipóteses em que a lesão pode ser assim considerada. Essa definição é extraída dos §§ 1º e 2º do art. 129 do Código Penal.

Dessa forma, é grave a lesão da qual resulta:

a) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto.

E é gravíssima a lesão da qual resulta:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

c) perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto.

Assim, sempre que o motorista embriagado causar lesão corporal culposa da qual decorra um dos resultados acima a pena será de dois a cinco anos de reclusão.

A Lei nº 13.546/17 também alterou o caput do art. 308 do CTB para incluir, entre as situações nas quais o crime se verifica, a exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor.

Embora a exibição de perícia caracterizasse infração administrativa no mesmo dispositivo da competição (art. 174 do CTB) e já impedisse a transação penal nos crimes de trânsito (art. 291, § 1º, II, do CTB), não integrava o tipo penal do art. 308. Agora, além da competição (“racha”), é crime efetuar manobras nas quais o motorista pretende demonstrar especial habilidade, como o vulgarmente denominado “cavalo-de-pau”, as manobras de contraesterço e a técnica de andar com a motocicleta em apenas uma roda, isso desde que o condutor esteja na via pública, não tenha autorização da autoridade competente e gere situação de risco à incolumidade pública ou privada.

Finalmente, destaca-se a alteração promovida no art. 291 do CTB.

Na verdade, o projeto que originou a Lei nº 13.546/17 pretendia efetuar duas alterações no referido dispositivo, acrescentando-lhe os §§ 3º e 4º.

O § 3º estabeleceria: “Nos casos previstos no § 3o do art. 302, no § 2o do art. 303 e nos §§ 1o e 2o do art. 308 deste Código, aplica-se a substituição prevista no inciso I do caput do art. 44 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos, atendidas as demais condições previstas nos incisos II e III do caput do referido artigo”.

No entanto, o dispositivo foi vetado sob o seguinte argumento: “O dispositivo apresenta incongruência jurídica, sendo parcialmente inaplicável, uma vez que, dos três casos elencados, dois deles preveem penas mínimas de reclusão de 5 anos, não se enquadrando assim no mecanismo de substituição regulado pelo Código Penal. Assim, visando-se evitar insegurança jurídica, impõe-se o veto ao dispositivo”.

O veto é apenas parcialmente procedente, pois, no caso do homicídio culposo, apesar da quantidade da pena a substituição poderia ocorrer porque, segundo dispõe o art. 44, I, do CP, nos crimes culposos a substituição é cabível independentemente da pena aplicada (e não incide o requisito de que o crime deve ser cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa). No que concerne ao art. 308, no entanto, de fato a substituição não seria cabível, pois, tratando-se de figura preterdolosa (o agente tem o propósito de participar de uma competição ilegal e causa a morte involuntariamente), seria necessário que fossem obedecidos os mesmos requisitos do crime doloso, pois antes de integralizar-se o resultado culposo realiza-se, por completo, um crime doloso.

O novo § 4º dispõe que a pena deve ser fixada segundo as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, com especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime. Trata-se, a nosso ver, de disposição desnecessária, pois, de qualquer forma, a pena-base é sempre aplicada de acordo com as disposições do art. 59 do CP e, dado o caráter dos crimes de trânsito, é natural que, dentre as circunstâncias judiciais, tenham maior destaque a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime.

Publicada em 20 de dezembro de 2017, a lei entra em vigor somente após o decurso de cento e vinte dias.

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