- Prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade
Ricardo Antonio Andreucci, procurador de Justiça Criminal do Ministério Público de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito. Pós-doutor pela Universidade Federal de Messina – Itália. Coordenador pedagógico do COMPLEXO DE ENSINO ANDREUCCI. Professor universitário de cursos preparatórios para ingresso nas Carreiras Jurídicas e OAB. Autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva. Articulista e palestrante.
Essa foi a tese de julgamento do “Habeas Corpus” nº 118.770/SP, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em que prevaleceu o voto do Ministro Luís Roberto Barroso.
Discutiu-se no referido HC se haveria constrangimento ilegal na manutenção da prisão de réu condenado em primeira instância, pelo Tribunal do Júri da Comarca de Ibiúna/SP, a 25 anos de reclusão pela prática de crimes de homicídio qualificado.
A questão de fundo, que permeia as alegações da defesa, é a prevalência do princípio da presunção de inocência, a ensejar a permanência do réu em liberdade até que esgotadas as vias recursais, pertencendo a constrição decorrente de título condenatório provisório ao campo da excepcionalidade.
Cederia o princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade à soberania dos veredictos nos julgamentos pelo Tribunal do Júri?
Conforme já tivemos oportunidade de mencionar em artigo anterior, a soberania dos veredictos é questão de extrema relevância, que nos remete a um dos fundamentos constitucionais do Júri.
A Carta de 1988 dispõe, no art. 5º, XXXVIII:
“Art. 5º (…) XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
Assim, não obstante se observem outros princípios constitucionais assegurados a todos os julgamentos (devido processo legal, ampla defesa, contraditório etc) o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, enumera os quatro princípios fundamentais pertinentes ao Tribunal do Júri, sendo a soberania dos veredictos aquele de maior envergadura democrática, na medida em que a vontade do povo se manifesta pura e cristalinamente, sem interferência da ciência do Direito, revelando a Justiça em sua forma mais explícita, se sobrepondo a qualquer outro postulado, por correto que seja.
Assim é que a decisão dos jurados acerca, basicamente, da autoria e da materialidade do crime, não pode ser modificada pelo Tribunal superior em grau de recurso. Não pode a apelação substituir a soberana decisão do Júri, podendo o Tribunal “ad quem”, no máximo, determinar a realização de outro julgamento, uma única vez, caso considere a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, “d”, CPP). Não pode o Tribunal “ad quem” dar às provas interpretação divergente, sob pena de violação do princípio da soberania dos vereditos. A apelação fundamentada no art. 593, III, “d”, do CP (decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos) pressupõe, em homenagem à soberania dos veredictos, decisão dissociada das provas amealhadas no curso do processo. Optando os jurados por uma das versões factíveis apresentadas em plenário, impõe-se a manutenção do quanto assentado pelo Conselho de Sentença.
Andou bem, a nosso ver, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal ao prestigiar o preciso voto do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, restando consignado na ementa “que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular.”
Em decorrência disso, deve prevalecer a decisão soberana de condenação, ensejando o imediato início do cumprimento de pena, independentemente do esgotamento das vias recursais, sem qualquer mácula ao princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade.
E prossegue a ementa: “Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso.”
Em suma, o Supremo Tribunal Federal deixou assentada, no julgado referido, a prevalência do princípio da soberania dos veredictos sobre o princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade, devendo o juiz presidente do Tribunal do Júri, ao proferir sentença condenatória, lastreada na democrática decisão dos jurados, determinar a imediata prisão do réu para início do cumprimento de pena, sobrepondo-se o interesse coletivo ao individual de maneira constitucionalmente acertada.