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24/10/2016  - Tribunal do Júri: Soberano, sim, mas não a ponto do absurdo
 
Norberto Avena, procurador de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em concursos públicos, fez parte de comissões organizadoras de diversos certames destinados ao ingresso na carreira do Ministério Público. Palestrante e conferencista.

Não se ignora a soberania das decisões do Tribunal do Júri, pois esta decorre do mandamento inscrito no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, em que é “reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (…) c) a soberania dos veredictos”.

Independentemente, não se pode ignorar que, em certos casos, têm os tribunais mitigado esse atributo, determinando a prevalência, direta ou indireta, de soluções comandadas pelos juízes togados.

Considere-se, para ilustrar, a hipótese de revisão criminal manejada contra decisão do conselho de sentença por ocasião de julgamento popular. Ingressada essa ação autônoma visando à desconstituição de veredicto, no caso de procedência, sempre defendi a posição de que, em nome da soberania das decisões do júri, não seria lícito ao órgão colegiado competente do tribunal, ao prover a revisão criminal, absolver o réu, cabendo-lhe, isto sim, a determinação de que novo julgamento pelo júri fosse realizado. Sem embargo, há precedentes – e muitos – em sentido oposto, emanados, inclusive, do próprio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “não há ofensa à soberania do veredicto do Tribunal do Júri se, em juízo revisional, absolve-se, desde logo, o réu, desconstituindo-se a injusta condenação” (Recurso Especial 1.304.155/MT, DJ 01.07.2014).

Outro exemplo de mitigação da soberania do veredicto popular pode ser constatado na decisão que, sob o rótulo da proibição à reformatio in pejus indireta, mantém a reprimenda fixada em anterior julgamento pelo júri anulado a partir de recurso exclusivo da defesa. Imagine-se que, condenado pelo tribunal do júri pela prática de homicídio simples, tenha a defesa apelado e, no tribunal competente, logrado anular o julgamento para o efeito de submeter o réu a novo júri. Considere-se que, nesse novo julgamento, resolvam os jurados, agora, condená-lo por homicídio qualificado, o que conduziria ao aumento da pena imposta em comparação com a preteritamente fixada. Ora, tal situação implica reformatio in pejus indireta, já que recurso exclusivo da defesa redundou, ao fim e ao cabo, em agravamento da condição jurídica do réu. Pois bem, tal desiderato, que por muito tempo foi admitido a título de exceção à vedação da reformatio in pejus indireta, agora é rechaçado em diversos colegiados, detectando-se, inclusive no âmbito dos tribunais superiores, julgamentos compreendendo que não pode o acusado, na renovação do julgamento, ser condenado a pena maior do que a imposta na decisão anulada, ainda que com base em circunstância não reconhecida no julgamento anterior (STJ, Habeas Corpus 178.850/RS DJ 13.09.2013). Ora, queira-se ou não, é evidente que isto implica no afastamento do resultado determinado pelos Jurados que, no caso concreto, pretenderam ver o réu punido mais severamente pelo crime de que acusado.

Outra deliberação que reputo atentatória à soberania do Tribunal do Júri ocorreu quando, no julgamento da Apelação n.º 70064652084, em sessão realizada no dia 25.06.2015, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afastou as qualificadoras do “motivo fútil” e do “perigo comum”, que haviam sido reconhecidas pelos jurados no julgamento de homicídio, sem determinar a submissão do réu a novo Júri, ponderando que, com tal deliberação, não estava o colegiado dizendo que, no plano fático, as razões que levaram o Júri a reconhecê-las não ocorreram, mas sim que, a despeito de ocorrentes tais razões, não se adequavam elas, no plano jurídico, ao que se deva entender como “motivo fútil” e “perigo comum”. Esta deliberação, que, no início, me pareceu curiosa, motivou, depois de refletir a respeito, o ingresso de recurso extraordinário ao STF visando à sua desconstituição, pois, opostamente aos exemplos anteriores, afigurava-se, nesse caso, em minha ótica, gritante a ofensa à soberania do Júri Popular, que decide por íntima convicção, alheio, portanto, às mesmas definições jurídicas que norteiam decisões dos juízes togados.

Pois bem, acertados ou não estes pronunciamentos, a verdade é que, em todos os casos mencionados, de uma forma ou outra, foi desprezada a vontade dos jurados determinada no enfrentamento do caso concreto, sendo ela substituída por pronunciamento fático-técnico-jurídico distinto. E tudo isso, a meu ver, repito, implica, sim, violação à soberania das decisões do tribunal do júri e, consequentemente, afronta ao texto inserto no art. 5º, XXXIII, c, da Constituição Federal.

Sem embargo – e aqui é que eu pretendia chegar – reputo não ocorrer tal afronta quando a submissão do acusado a novo julgamento pelo júri apresentar-se inútil sob o ponto de vista do resultado final do processo, caso em que me parece possível ao órgão jurisdicional togado deliberar a respeito do caso concreto sem que, com isto, afronte a dita soberania dos veredictos populares. E ilustro isto com hipótese real, por mim recentemente apreciada junto à Procuradoria de Justiça Criminal do Estado do Rio Grande do Sul:

Tratava-se, com efeito, de acusado denunciado e pronunciado pelo crime de homicídio qualificado, eis que cometido com a intenção de assegurar a impunidade de outro delito; e pelo delito conexo de roubo (este o delito cuja busca de impunidade motivou o agir homicida do réu).

Submetido ele a júri popular, compreendeu o Conselho de Sentença por condená-lo pelo crime de homicídio, respondendo, positivamente, também, ao quesito relativo à qualificadora imputada – o réu cometeu o crime para assegurar a impunidade quanto ao crime de roubo que havia praticado?

Ocorre que, condenado o denunciado por homicídio qualificado e, assim, firmada a competência do tribunal do júri, ao serem quesitados quanto ao delito conexo – o roubo – responderam negativamente, elidindo, assim, o seu envolvimento em relação ao mencionado crime.

Tal desiderato afigurou-se, ao fim e ao cabo, paradoxal, pois ao mesmo tem tempo em que afirmou o Conselho de Sentença ter sido o homicídio qualificado pelo intuito de garantir o réu sua impunidade quanto a crime de roubo anterior, disseram os jurados que não foi ele autor nem partícipe desse último delito.

E, neste cenário, recorreu a defesa, afirmando a nulidade da quesitação em face da contrariedade entre as resposta pertinente ao quesito que reconheceu a qualificadora e o que afastou a autoria/participação do crime de roubo e, com isto, buscando a realização de novo júri.

Qual a solução ao caso?


Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que, na espécie, não recorreu o Ministério Público no tocante à absolvição pelo crime de roubo, o que fez com que, relativamente a este crime, tenha o veredicto absolutório dos jurados transitado em julgado; e, em segundo, cabe destacar que não existe qualquer incongruência no julgamento em relação à condenação levada a efeito pelo homicídio em si, residindo o impasse, como sobredito, apenas no tocante ao resultado da quesitação da qualificadora atribuída. Neste contexto, duas soluções se apresentam viáveis:

Uma, anular todo o julgamento, outro sendo realizado, como nova quesitação em relação ao homicídio, podendo o réu ser absolvido ou condenado por tal crime, não sendo possível, contudo, obrarem os jurados em novo reconhecimento da qualificadora imputada, já que transitada em julgado a absolvição quanto ao roubo.

Duas, manutenção do veredicto absolutório em relação ao roubo, afastando o tribunal de justiça, contudo, a precitada qualificadora e, com isto, mantendo o réu condenado pelo homicídio simples, independentemente do aprazamento de novo julgamento popular.

Comungo da última destas vertentes.


Com efeito, tivesse o reconhecimento da qualificadora sido impugnado pela defesa sob o rótulo de que tal implicou contrariedade manifesta à prova dos autos, acolhida a tese em Segundo Grau, não vislumbraria eu outra possibilidade senão a da anulação do julgamento em relação ao homicídio como um todo, sendo outro realizado, com a viabilidade de absolvição ou condenação por esse crime, apenas se afastando a possibilidade de afirmação da qualificadora, já que absolvido definitivamente o réu pelo crime de roubo.

Não foi isto, porém, o que ocorreu.

O que ocorreu foi simples contradição entre a afirmação da qualificadora de “crime cometido para assegurar a impunidade do roubo” e a absolvição pelo delito de roubo. Aqui, sim, residiu o prejuízo ao réu, consectário da apontada nulidade. Sendo assim, e limitado a isto o pleito recursal defensivo, não vejo razão para submissão do réu a novo julgamento, bastando ao tribunal de justiça afastar dita qualificadora, em face da impossibilidade jurídica de seu reconhecimento pelo conselho de sentença em novo júri.

Trata-se, por certo, de questão controverte, relativamente a qual reconheço estar aderindo à posição minoritária. Tendo em vista, contudo, a abrangência da apelação deduzida pelo réu, que se limitou, nas razões, a apontar a citada contradição, não vejo razão para que ele dela se aproveite a ponto de obter, em seu favor, a anulação do júri, para que outro seja realizado, aceitando-se, neste caso, tanto a possibilidade de condenação pelo crime de homicídio simples, como a de absolvição. A hipótese, repito, enseja mero afastamento da qualificadora em questão, pois no seu reconhecimento, e apenas aí, é que residiu o prejuízo ao réu.

Daí, então, o título destes breves apontamentos, espelhando meu entendimento acerca do tema: Tribunal do Júri: Soberano, sim, mas não a ponto do absurdo.

À reflexão.

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