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03/12/2014  - O júri no Brasil e nos Estados Unidos - algumas considerações
 
Wanderlei José dos Reis, juiz de Direito. Ex-Delegado de Polícia. Doutor em Direito. Pós-doutorando em Direito (Itália). Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Clássica de Lisboa. Doutrinador. Palestrante. Professor de Direito. MBA em Poder Judiciário pela FGV Rio. Especialista em Educação, Direito Constitucional, Direito Público Avançado e Processo Civil Avançado. Especializando em Direito Internacional. Graduado em Ciências e Matemática (ênfase em informática). Membro Vitalício da Academia Mato-grossense de Letras e da Academia Mato-grossense de Magistrados. Titular da 1ª Vara Especializada de Família e Sucessões e da 46ª Zona Eleitoral em Rondonópolis/MT. Texto veiculado originariamente no site Jus Navigandi, que indica a seguinte citação:

REIS, Wanderlei José dos. O júri no Brasil e nos Estados Unidos. Algumas considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3490, 20 jan. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23474>. Acesso em: 3 dez. 2014.


Não obstante o Tribunal do Júri brasileiro tenha intensa ligação com o Júri norte-americano, a instituição evoluiu em solo pátrio e se desenvolveu de forma autônoma, de modo que poucos são os pontos que se evidenciam de encontro entre os dois modelos.

Resumo: O Tribunal do Júri norte-americano e brasileiro são bastante distintos, apresentando poucos pontos de encontro: tanto em um quanto em outro país o Júri é previsto constitucionalmente e possui caráter fundamental – nos Estados Unidos é um direito fundamental estampado na Sexta Emenda à Constituição; e no Brasil é uma garantia fundamental expressamente prevista no Documento Político em seu art. 5º, inciso XXXVIII. Os modelos se apartam, todavia, no que diz respeito à possibilidade de se abdicar do julgamento pelo Júri, pois enquanto nos Estados Unidos a pessoa tem a prerrogativa de renunciar ao julgamento pelos pares, no Brasil esta possibilidade não existe, já que a competência constitucional da instituição é indelegável e irrenunciável.

Sumário: I. Júri nos Estados Unidos II. Júri no Brasil III. Considerações Finais
I. Júri nos Estados Unidos

Nascido na Inglaterra, o Júri foi transportado para sua principal colônia, os Estados Unidos, onde hoje se trata de um direito consagrado na Sexta Emenda da Constituição estadunidense e, a exemplo da pátria mãe, os americanos agarraram-no sob os contornos de direito fundamental, resguardado da autoridade que lhe é inerente.Para o povo norte-americano grande é a importância do Júri – que, em passado recente, teve alma, voz, valoração e sentimento nos EUA com o jurista Clarence Darrow –, sendo consagrado constitucionalmente como o baluarte de liberdade dos cidadãos, já que para os americanos o exercício da democracia pela participação do povo na vida pública ocorre não apenas pela prática do direito ao voto, mas, também, pelo desempenho do direito de integrar o Tribunal do Júri – e pudemos sentir isto pessoalmente em recente visita aos EUA, onde assistimos a julgamentos populares.

Embora o direito ao julgamento pelo Júri tenha caráter de direito fundamental, o acusado tem a faculdade de abrir mão do julgamento pelo Tribunal do Júri, optando pelo julgamento de um juiz togado. Na jurisdição federal isso é possível desde que o investigado tenha sido aconselhado por um advogado, bem como haja concordância do promotor e do juiz. Na raia estadual, tendo em vista a existência de sistemas judiciais peculiares em cada unidade da federação, há diferentes limitações, sendo que em alguns Estados essa possibilidade não existe quando se tratar de crime apenado com pena de morte.

De acordo com a concepção aos poucos delineada pela Suprema Corte dos Estados Unidos o Tribunal do Júri está ligado aos seguintes fundamentos: a função do Júri é impedir a execução arbitrária da lei, sendo, nesse sentido, uma garantia contra o descaso ou os excessos dos que participam da administração da justiça aplicando a lei; a mediação entre acusado e acusador deve ser feita por um Juízo Leigo, formado por um grupo de pessoas que se guia por um senso comum e que aplica esse sentido ordinário aos fatos; pelo Júri se dá a participação e a responsabilização coletiva da sociedade, que decorrem dos veredictos prolatados por seus representantes diretos, o grupo de jurados.

No que diz respeito ao quórum de votação, é de se elucidar que a regra é a de que o veredicto deve ser unânime, diretiva que prevalece, de forma absoluta, no juízo federal. Por outro lado, no que diz respeito à justiça dos Estados, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem aceitado a possibilidade de julgamentos não unânimes em alguns casos.

Entretanto, quando se tratam de júris formados por apenas seis jurados, no juízo estadual, o entendimento firmado é no sentido da imprescindibilidade de um veredicto unânime.

Na seara criminal o sistema americano possui dois órgãos diversos de atuação, o Grand Jury (chamado de Grande Júri) e o Petit Jury (denominado de Pequeno Júri).

O Grand Jury tem previsão constitucional na quinta emenda e somente existe para as causas criminais. Na esfera federal a instituição do Grande Júri é obrigatória para os crimes graves, em especial para aqueles apenados com a pena capital, ou outro infamante, o que não ocorre no âmbito da jurisdição estadual.

Trata-se de um procedimento sigiloso, composto, de acordo com as regras de cada Estado, de dezesseis a vinte e três membros, que pode ser convocado para duas finalidades: acusar os possíveis autores de crimes, ou, em outras palavras, receber a acusação feita pelo promotor de justiça (indictment) quando entender serem suficientes as provas apresentadas; ou investigar o possível cometimento de um crime e apresentar a acusação. Em razão de suas funções, o Grand Jury pode ouvir testemunhas, bem como levantar outras provas. Nestes termos, o papel do Grande Júri é desempenhar o judicium accusationis, numa fase preliminar (before trial) ao juízo da culpa, de modo que uma acusação a ele submetida será aceita se obtiver um quórum de maioria simples, quando então a causa será submetida ao Pequeno Júri.

O Petit Jury, por sua vez, exercendo um juízo de culpa (trial), tem a incumbência de, em procedimento público, julgar o acusado, declarando-o culpado ou inocente, sendo possível, ainda, a recomendação ao juiz presidente da pena a ser aplicada, tal como ocorre em alguns Estados, nos quais havendo a condenação em razão de crime gravíssimo os jurados podem recomendar a aplicação da pena de morte ao condenado. A composição e o funcionamento variam dependendo da esfera da federação, bem como de Estado para Estado. Os júris federais são compostos por doze jurados e o veredicto deverá sempre ser unânime. A constituição dos júris estaduais pode variar entre seis, oito e doze jurados, sendo que a decisão é, em regra, unânime, contudo, pode haver condenação pelo quórum de dois terços ou três quintos dependendo do número de jurados.

A escolha dos jurados é feita aleatoriamente por escriturários dos sistemas dos tribunais por meio da compilação de listas a partir do cadastro de eleitores, cadastro de licenciamentos de veículos ou mesmo de carteiras de motoristas, sendo exigências básicas para ser jurado o gozo dos direitos de cidadania, idade entre vinte e um e setenta anos, ser alfabetizado e não ter sido condenado por nenhum crime.

Durante o procedimento de escolha dos jurados que irão efetivamente compor o grupo que julgará a causa é possível a recusa de pretensos jurados. Esse rito passará sempre pelo crivo do juiz presidente, que inquirirá o candidato a respeito de sua disposição, capacidade para atuar no julgamento e se é moralmente idôneo para decidir de modo justo. Dessa forma, pessoas tendenciosas e com juízo pré-formado serão, de pronto, rejeitadas.

As recusas peremptórias, chamadas de challenge without case, que não requerem uma justificação, são limitadas e feitas depois de um procedimento conhecido como voi dire, no qual as partes podem dirigir perguntas aos jurados sobre temas variados com vistas a identificar suas ideologias e posicionamentos a respeito de determinados assuntos. As recusas motivadas, por sua vez, são ilimitadas.

Nos Estados Unidos o promotor tem a função de controlar e supervisionar os trabalhos policiais. Há, em regra, um promotor chefe, escolhido pela comunidade, que é auxiliado por dois assistentes. Concluídas as investigações, o chefe da promotoria tem a prerrogativa de determinar o arquivamento das peças originadas das investigações policiais ou proceder ao indictment, apresentando suas razões ao Júri.

As partes têm ampla liberdade na produção de provas. Cabe a elas convocar testemunhas, produzir/apresentar documentos, contratar peritos etc. Enfim, incumbe às partes a preparação e a apresentação das provas.O juiz presidente do Júri é eleito pela comunidade e tem a função de dirigir os procedimentos preparativos do caso, instalação e condução da sessão de julgamento.

Não obstante a importância de todas essas características apresentadas até aqui a respeito do Tribunal do Júri nos Estados Unidos, a peculiaridade maior do instituto no direito norte-americano é a existência da guilty plea e da plea bargaining. A guilty plea é a possibilidade de o acusado se declarar culpado. A plea bargaining, ou plea bargain, é a possibilidade de realização de acordo entre o réu e a acusação, que viabiliza a utilização da guilty plea. Por exemplo: o investigado que cometeu um homicídio qualificado pode negociar com a promotoria para fins de reconhecer sua culpa em troca de uma acusação de homicídio simples. Nos Estados Unidos, cerca de noventa por cento das causas criminais são resolvidas pela aplicação da plea bargain.

No que se refere à forma pela qual a decisão é tomada pelo Conselho, deve-se registrar que não há incomunicabilidade entre os jurados, que devem discutir os fatos e as provas apresentadas durante a sessão, sob as orientações jurídicas dadas pelo juiz presidente, sendo que esses debates devem ser mediados pelo jurado escolhido para ser o foreperson, líder entre os jurados, que tem a incumbência de conduzir na sala secreta os passos a serem tomados para a decisão. Disso decorre que a decisão de um determinado caso pode levar até mesmo meses.

Quando não houver unanimidade no veredictum, cabe ao juiz presidente convocar novo Júri, ou, havendo a concordância da promotoria, absolver o réu.

Proferindo-se um veredicto condenatório, abre-se uma nova fase, denominada sentencing, na qual o juiz, de ofício, desenvolve uma atividade instrutória voltada a colher elementos a respeito de aspectos subjetivos do condenado, tais como a personalidade e a conduta familiar e social, para, ao final, fixar sua pena de acordo com essas diretivas.Não se pode deixar de registrar, também, que por força da Sétima Emenda à Constituição norte-americana, é assegurado o julgamento de causas cíveis cujo valor exceda a vinte dólares.
II. Júri no Brasil

No Brasil a instituição do Tribunal do Júri antecede à própria independência do país, tendo sido regida, inclusive, por atos normativos portugueses, sendo que a primeira vez que se colocou em prática o Júri no país foi na cidade do Rio de Janeiro, em 25 de junho de 1825, portanto, três anos após a sua criação.

Atualmente possui previsão constitucional no art. 5º, XXXVIII, que estabelece que é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados os seguintes predicativos: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A composição hodierna do Tribunal do Júri se dá pela presença de um juiz togado e de vinte e cinco jurados, que serão sorteados dentre os cidadãos alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.De acordo com o art. 436, do Código de Processo Penal, a atividade de jurado poderá ser exercida por aqueles que preencherem os seguintes requisitos gerais: ser cidadão maior de dezoito anos de idade com notória idoneidade.

O serviço do Júri na qualidade de jurado é uma obrigatoriedade, de modo que não pode ser imotivadamente recusado por aquele cidadão indicado para ser jurado, sob pena de multa no valor de um a dez salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado. Todavia, é possível a recusa da prestação do múnus do Júri em virtude da escusa de consciência – aquela fundada em convicção religiosa, filosófica ou política –, caso em que o indivíduo será submetido a prestação de serviço alternativo.

Embora seja obrigatório o serviço de jurado, há pessoas que são isentas do exercício desta função pública, tais como o Presidente da República e os Ministros de Estado, dentre outros agentes políticos, os cidadãos maiores de setenta anos que requeiram sua dispensa, bem como aqueles que o requererem demonstrando justo impedimento.

Para ser jurado, o indivíduo deve, também, estar despojado de qualquer dos pressupostos negativos que obstam o exercício da função, quais sejam, as causas de impedimento – previstas no art. 252, do Diploma Processual Penal, tais como: tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; ter o próprio jurado desempenhado qualquer dessas funções; etc; e no art. 448 do referido Codex, a exemplo do impedimento de atuarem juntos marido e mulher, ascendente e descendente, dentre outras hipóteses –, suspeição – previstas no art. 254, da Lei Adjetiva Penal, tais como for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; etc. Também não poderá ser jurado o indivíduo que preencher qualquer dos pressupostos negativos previstos no art. 449, do Código de Processo Penal, cuja natureza é controvertida na doutrina (impedimento/suspeição): tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior; no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado; tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado. A violação das regras de impedimento e suspeição causa a nulidade do julgamento, pois é impossível saber se os jurados impedidos ou suspeitos influenciaram ou não no julgamento.

Os possíveis jurados constam numa lista anual elaborada pelo presidente do Tribunal do Júri com base na indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado, feita em atendimento à requisição do juiz por autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários.

Durante o desenrolar do procedimento os jurados poderão ser recusados. Por ocasião da instauração da sessão o juiz presidente sorteará os sete jurados que formarão o Conselho de Sentença que atuará na sessão. Neste momento, poderão ser exercidas as recusas peremptórias, ou seja, a defesa e, depois dela, o Ministério Público, poderão recusar imotivadamente até três jurados sorteados. Além das recusas imotivadas, as partes poderão se insurgir, de maneira ilimitada, contra os jurados sorteados, alegando impedimento, suspeição ou incompatibilidade, que serão decididas de pronto pelo juiz presidente. No caso de não haver número para a formação do Conselho de Sentença, em consequência de impedimento, suspeição, incompatibilidade, dispensa ou recusa de jurado, serão sorteados os suplentes, adiando-se o julgamento.

O juiz presidente do Tribunal do Júri é a parte da Corte responsável por zelar e garantir o andamento processual, decidindo questões processuais incidentes e direcionando o andamento dos trabalhos para que, ao fim, os jurados integrantes do Conselho de Sentença possam manifestar o veredictum. Neste sentido, o art. 497, da Lei Processual Penal, enumera suas atribuições, tais como regular a polícia das sessões e prender os desobedientes; requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade; dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes; resolver as questões incidentes que não dependam de pronunciamento do Júri etc.

O procedimento do Tribunal do Júri é escalonado ou bifásico, ou seja, possui duas fases, judicium accusationis e judicium causae.

Em suma, a fase do judicium accusationis, também conhecida como sumário da culpa, inicia-se com a decisão de recebimento da denúncia pelo juiz competente e encerra-se com a preclusão da decisão de pronúncia. Por uma visão bastante abreviada do procedimento, tem-se que após receber a denúncia ofertada pelo Ministério Público ou a queixa-crime ofertada pelo ofendido no caso de ação penal privada subsidiária da pública abre-se a oportunidade de o réu/querelado apresentar sua defesa. Após, haverá produção de provas, com a designação de audiência de instrução e julgamento, solenidade em que serão ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa, seguindo-se do depoimento pessoal do acusado, dos debates orais e, por fim, da decisão do juiz, que pode ser de absolvição sumária – hipótese em que o réu será absolvido, com o consequente fim do processo –, desqualificação do crime – quando o juiz, constatando tratar-se de crime diverso daquele descrito na peça-piloto não doloso contra a vida, enviará os autos ao juiz competente –, impronúncia – hipótese em que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova – ou pronúncia – remetendo-se o feito à fase seguinte do julgamento pelos jurados.

O judicium causae (juízo da causa), em resumo, vai da intimação das partes para arrolarem testemunhas para depor em plenário (antiga fase de oferecimento do libelo e contrariedade ao libelo), passando pela instauração da sessão do Júri, pela oitiva das testemunhas, depoimento pessoal do acusado e pelos debates orais, tudo em plenário, seguindo-se a votação pelos jurados em sala secreta e a revelação do veredicto pelo juiz presidente com prolação da sentença, que, sendo condenatória, cabe ao juiz proceder à dosimetria da pena.

Ao Conselho de Sentença incumbe decidir sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido, para tanto serão formulados quesitos pelo juiz presidente a serem respondidos pelos jurados, atinentes à materialidade do fato, à autoria ou participação, à absolvição do acusado, à existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa e à existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, além de, eventualmente, outros quesitos a respeito de questões relevantes, como desclassificação do crime, ocorrência do crime na forma tentada ou a divergência sobre a tipificação do delito que aponte para outra infração penal de competência do Tribunal do Júri.

A formulação dos quesitos deverá abordar os seguintes pontos nesta ordem: materialidade do fato; autoria ou participação; se o acusado deve ser absolvido; se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

Por mandamento constitucional as votações dos jurados serão sigilosas, sendo que suas decisões serão tomadas por maioria de votos. Na sequência de votação, a resposta negativa de mais de três jurados sobre os quesitos relacionados à materialidade do fato e à autoria implica na absolvição do acusado. Caso não haja essa absolvição implícita, os jurados terão, em seguida, a oportunidade de fazê-lo de modo expresso ao serem indagados se absolvem o réu. Havendo resposta negativa, segue a votação a respeito das causas de diminuição e aumento de pena.
III. Considerações Finais

Analisando como a instituição do Júri é concebida nos Estados Unidos e no Brasil é possível dizer que há muitos pontos divergentes e poucos pontos de encontro.

Tanto em um quanto em outro país o Júri é previsto constitucionalmente e possui caráter fundamental: nos Estados Unidos é um direito fundamental estampado na Sexta Emenda à Constituição; no Brasil é uma garantia fundamental expressamente prevista no Documento Político. Os modelos se apartam, todavia, no que diz respeito à possibilidade de se abdicar do julgamento pelo Júri, pois enquanto nos Estados Unidos o indivíduo tem a prerrogativa de renunciar ao julgamento pelos pares, no Brasil esta possibilidade não existe, já que a competência constitucional da instituição é indelegável.

Nos Estados Unidos é possível que se tenha um julgamento pelo Júri tanto em causas cíveis quanto em causas penais, circunstância não encontrada no Brasil, onde a sua atuação se reserva ao julgamento das causas criminais relativas aos crimes dolosos contra a vida.

Os padrões se distanciam também no que diz respeito ao quórum de votação. Enquanto nos Estados Unidos, em regra, a votação deve ser unânime – lembrando que pode haver quórum diverso nos Estados –, no Brasil elas se darão sempre por maioria, seja para a absolvição seja para a condenação.

Aliás, a forma pela qual as decisões são tomadas também é totalmente diversa em um e outro sistema. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura ao Júri o sigilo de suas votações. Por esta razão, a votação que ocorre na sala secreta na presença do juiz, do membro do Ministério Público e do defensor, se dá por quesitos e ocorre de modo que ninguém da sala saiba qual foi o voto individual do jurado. Nos Estados Unidos, por outro lado, embora também se preze pelo sigilo, os jurados devem debater a causa até que se chegue ao consenso de unanimidade, todavia, diferente do que ocorre no direito pátrio, esta deliberação é tomada em local em que estão presentes apenas os jurados.

O Grande e Pequeno Júris existentes nos Estados Unidos, embora outrora existentes no Brasil, já não mais subsistem por aqui. Enquanto naquele país a formação da culpa é feita por um Júri, chamado de Grand Jury, após receber a acusação, aqui ela é feita perante um juiz togado. No que toca ao juízo da causa, pode-se dizer que as figuras são semelhantes, já que é o corpo de jurados que irá decidir sobre a absolvição ou condenação do acusado.O sistema de relação de jurados também diverge bastante. Enquanto nos Estados Unidos a escolha dos jurados é feita aleatoriamente por escriturários dos sistemas dos tribunais pela compilação de listas a partir do cadastro de eleitores, cadastro de licenciamento de veículos ou mesmo de carteiras de motoristas, no Brasil o juiz presidente do Júri elabora uma lista anual de possíveis jurados com base na indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado feita por autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários.

A formação do Conselho de Sentença guarda alguma similaridade quando analisada a possibilidade de recusa dos jurados. Nos Estados Unidos, durante a escolha dos jurados que irão efetivamente compor o grupo que julgará a causa é possível a recusa de pretensos jurados dependendo da concordância do juiz presidente, que inquirirá o candidato a respeito de sua disposição, capacidade para atuar no julgamento e se é moralmente idôneo para decidir de modo justo, rejeitando-se, de pronto, pessoas tendenciosas e com juízo pré-formado. Esta circunstância não é encontrada no Brasil, todavia, as partes poderão se insurgir, de maneira ilimitada, contra os jurados sorteados, alegando impedimento, suspeição ou incompatibilidade, que serão decididas de pronto pelo juiz presidente.

Além disso, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil existem as recusas peremptórias, aquelas que não requerem justificação. Naquele país, a challenge without case é limitada e feita depois de um procedimento conhecido como voi dire, no qual as partes podem dirigir perguntas aos jurados sobre temas variados com vistas a identificar suas ideologias e posicionamentos a respeito de determinados assuntos. No ordenamento pátrio, após o sorteio dos sete jurados que formarão o Conselho de Sentença, poderão ser exercidas as recusas peremptórias, facultando-se à defesa e ao Ministério Público a recusa imotivada de até três jurados sorteados.

Outro ponto comum é a atribuição diretiva do juiz presidente, responsável pela instalação e condução da sessão de julgamento.

Por fim, insta relatar que a grande peculiaridade do sistema norte-americano diz respeito aos institutos do guilty plea e do plea bargaining, inexistentes no Brasil. A transação penal prevista na Lei n.º 9.099/95, embora tenha inspiração no plea bargaining, não pode ser com ele confundido. Enquanto no instituto norte-americano o acusado se declara culpado em troca de uma acusação mais branda, no instituto brasileiro não se discute a culpa do autor do fato, mas se aplica uma pena alternativa antes mesmo do início do processo. Note-se que pela aplicação do plea bargaining o processo não deixará de existir, já se iniciando com o acusado declarado culpado, ao contrário do que ocorre na transação penal em que o processo sequer se inicia e onde não se discute a culpa.

Como se pode verificar, não obstante o Tribunal do Júri brasileiro tenha intensa ligação com o Júri norte-americano, já que implementado em época em que a ordem jurídica pátria era fortemente influenciada pelo direito norte-americano, a instituição evoluiu em solo pátrio e se desenvolveu de forma autônoma, de modo que poucos são os pontos que se evidenciam de encontro entre os dois modelos.

Ao concluir este ensaio comparativo é de se registrar que não há que se dizer que uma instituição é melhor ou pior que a outra. O cotejo deve sempre servir de substrato para uma avaliação crítica a fim de aproveitar o que há de valoroso e buscar corrigir os defeitos de cada instituição, respeitando o fato notório de que os sistemas judiciários brasileiro e norte-americano são bastante distintos por uma questão histórico-cultural.

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