::Confraria do Júri::

 
 

 

      

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29/12/2017  - Ministério Público: Paixão e luta
 
Fernando Aurvalle Krebs – Promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Combate à Corrupção em Goiânia, GO, especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro, RJ, especialista em combate ao crime organizado, corrupção e terrorismo, Mestre em Direito e Doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca, Espanha, autor do livro: A Reforma do Poder Judiciário, editora Juruá, Curitiba, PR, 1.998 e coautor do livro: Corrupção e Delinquência Econômica: Prevenção, Repressão e Recuperação de Ativos, publicado pela editora Ratio Legis, Salamanca, Espanha, 2.016, em espanhol, ainda não traduzido para o português. Texto veiculado originariamente no site www.jota.info

"Para mim o júri é sem dúvida a mais democrática instituição da Justiça brasileira e deveria ter a sua competência ampliada, o que a Constituição Federal admite, passando a julgar crimes de corrupção envolvendo nossos governantes."

Ingressei no Ministério Público há um quarto de século, aos 24 anos, em 1992. Hoje, com meio século de vida, não me arrependo de nada, muito pelo contrário, andei mais de 2 mil quilômetros para realizar um sonho: ser promotor de Justiça e lutar por um mundo bom, não melhor, mas realmente bom, como desejava Chaplin.

As muitas batalhas foram árduas, mas gratificantes, em certa medida, é a reprodução permanente da luta do bem contra o mal, os bang bangs de minha infância, das brigas entre mocinhos e bandidos, ou dos jedis contra o império de Darth Vader, da trilogia guerra nas estrelas, ainda em voga. E foi em busca da força que abandonei meu estado natal, o Pampa gaúcho, para pelear por estas bandas e construir nestes pagos uma nova vida, longe da família e construindo outra, desta vez de matriz goiana.

No início fui parar em uma pequena cidade com cerca de 10 mil habitantes, chamada Petrolina de Goiás, que minha avó confundiu com a de Pernambuco. Não foi a única da família, pois minha mãe, durante a primeira viagem para as terras goianas pediu para que ligasse para ela da estrada para informar se tinha asfalto. O presidente da OAB do Rio Grande do Sul, à época, me falou das caçadas em Goiás e outros advogados das onças pintadas

Em verdade, poucos conheciam Goiás e acreditavam que aqui só havia índios e onças. Ledo engano. Já naquele tempo, Goiás era povoado por homens e mulheres que vinham de todos os cantos do vasto Brasil desbravar o cerrado e construir o futuro. Depois de um curto giro no interior goiano, Petrolina de Goiás, Mara Rosa, Porangatu, Uruaçu e Rio Verde, em apenas dois anos, o que para hoje seria uma carreira meteórica, cheguei a Anápolis e seis meses depois já era titular na jovem Capital do Estado, a florida e bela Goiânia, hoje, já não mais tão bela e florida.

Nunca escolhi cidade alguma, fui para onde tinha vaga e para acrescentar 10% ao minguado vencimento que se equiparava ao do delegado de polícia e representava 1/3 do que recebia o juiz. Isto que logo seis meses depois do meu ingresso, havíamos conquistado isonomia remuneratória com os magistrados, o que já existia em boa parte do país, contudo, logo descobri que o que estava na lei, nem sempre era respeitado. Aí começava nossa luta contra o descumprimento das leis e do Direito por parte do Estado.

Foi no júri que debutei como promotor. Meu primeiro dia de trabalho foi no júri, por isso, comecei fazendo horas extras, jamais pagas ao servidor público de carreira elegido por concurso público. O segundo dia de trabalho foi de estudo para o segundo júri, realizado no dia seguinte. Meu interesse pelo júri foi despertado em um julgamento simulado realizado ainda no último ano da faculdade.

Naquela época ainda não sabia o que era o Ministério Público, pensava que se tratava de um Ministério do Executivo, como o Ministério do Trabalho. Só vim a aprender o que era o MP, estudando para a seleção do curso preparatório para a carreira do Ministério Público, da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde estive cursando por uma ano e meio, concomitantemente ao Mestrado em Ciência Política da UFRGS.

Neste período, ainda advoguei no escritório de um amigo, desbloqueando cruzados retidos na poupança, graças ao governo colorido. Após concluir o curso na ESMP, comecei o da Magistratura, na escola congênere do Judiciário, mas já havia me decidido, ou melhor, me apaixonado pelo MP. Nunca sequer me inscrevi num concurso para juiz, apenas para um de delegado e outro de auditor de contas do TCE/RS. Mas antes de fazê-los fui aprovado em Goiás e vim de mala e cuia, ou melhor, com um Chevette Sedan, muitas caixas de livros e alguns ternos. Inclusive, um que comprei com o dinheiro da poupança, um dia antes do confisco e que me oportunizou a compra do carro com os honorários ganhos nos mandados de segurança desbloqueando cruzados, depois substituídos por ações cautelares.

Chegando a Goiânia, assumi a titularidade do Tribunal do Júri e lá cumpri pena em regime fechado por 10 anos e meio, tendo realizado mais de 500 júris, alguns com 24 e 48 horas de duração, no tempo em que se liam peças do processo, bons tempos aqueles. Um destes júris durou, inéditos três dias, tratava-se do assassinato do líder sindical e fundador da CUT, Nativo da Natividade de Oliveira, um dos julgamentos de maior repercussão que realizei, inclusive, além-fronteiras.

Outros se sucederam: Donata, a chacina da praça do avião que vitimou três jovens, sendo dois irmãos; Chico Buzina, este por três vezes; o pastor que matou a esposa; e com o passar do tempo a eficiência nas condenações assustou alguns advogados que já faziam de tudo para não realizar júris conosco. Nunca fui bom no futebol, mas adorava o júri e tinha um ótimo desempenho, realizando júris também no interior a pedido de colegas. Um deles, em Itumbiara, a pedido de um amigo, foi o julgamento em que tive o maior desgaste, dada a tensão e a responsabilidade que me pesava nos ombros de defender a honra do amigo, dura, covarde e deslealmente atacada pelo advogado, o qual, a exemplo de muitos, em vez de defender o cliente, como este não tinha defesa, resolvia atacar o promotor, como se este fosse o homicida e estivesse em julgamento.

Ao longo da década em que estive atuando no Tribunal do Júri aprendi muito, pois se trata de uma excelente escola, que deveria ser frequentada por todos os políticos para que aprendessem a ouvir o outro e a respeitar o adversário. Para mim o júri é sem dúvida a mais democrática instituição da Justiça brasileira e deveria ter a sua competência ampliada, o que a Constituição Federal admite, passando a julgar crimes de corrupção envolvendo nossos governantes.

O júri erra, mas não de má-fé como ocorre em julgamentos no Judiciário, pelo menos, isto é o que me ensinou minha experiência nesta instituição mal vista por alguns operadores do Direito, detestada por muitos colegas, mas amada pelos estudantes de Direito, os quais levava para encheram os auditórios e se encantarem com sua magia, pois nada, no mundo do Direito é mais belo do que um bom júri, com um promotor e um advogado técnicos e um juiz que apenas preside o júri, por reconhecer que este é o palco do promotor e do advogado, no qual ele é um mero observador.

Sempre trabalhei me aproximando da família da vítima e a utilizando como aliada para produzir provas no processo, encontrando testemunhas e mobilizando a sociedade e a imprensa para acompanhar a sessão do júri. Uma juíza, de memorável passagem no júri, certa vez, me disse que eu me transformava, conseguindo meus objetivos, os quais sempre foram promover a Justiça e não a acusação.

Não raras vezes pedi a absolvição de réus e a desclassificação de crimes, o que aumentava a confiança dos jurados em mim, fator decisivo para meu sucesso naquela arena. Com o passar do tempo o sexto sentido, que não é privilégio das mulheres, se aguçou de tal modo, que já sabia como o jurado votaria, ao ler seu semblante e adentrar em seus pensamentos. Isto era fundamental na recusa imotivada de jurados que poderia selar o destino do julgamento, antes mesmo de seu início.

Dizem que a gente gosta do que faz bem, pois comigo foi assim quanto mais melhorava meu desempenho, maior era a paixão pelo júri. Hoje, creio que não teria conseguido viver sem ele, ou teria enlouquecido minha esposa, pois o júri, por mais tenso, desgastante e pesado que fosse, mais me satisfazia e ao final do julgamento me encontrava realizado e plenamente satisfeito ao promover a Justiça. Realmente, amei o júri como poucos…

Adoro doce de leite, mas se comesse todos os dias, certamente enjoaria. Foi mais ou menos o que ocorreu com o júri. Por mais que se goste dele, fazia júri um dia sim um não, dois por semana, oito por mês, oitenta por ano, durante muito tempo. Descobri que havia chegado a hora de pendurar as chuteiras quando os advogados começaram a fugir dos júris comigo, o cartório só me dava processos em que tinha de pedir a absolvição -e sofri a terceira ameaça de morte.

Por duas vezes fui forçado a andar com segurança, acabei comprando uma arma e aprendendo a atirar — não tão bem como a minha esposa, que nunca aprendeu, por sorte minha, porque depois de levá-la para atirar, fui surpreendido com a exímia atiradora que tinha em casa. Já na primeira vez, descarregou o revólver acertando todos os disparos no centro do alvo e como aprendi que a única pessoa que as mulheres matam é o esposo ou o amante, desisti de encorajá-la, agindo em legítima defesa própria, ainda que futura.

Depois de cumprir pena em regime fechado no júri durante uma década, consegui progredir de regime e fui parar no Patrimônio Público e Combate à Corrupção, ou seja, numa promotoria mamão com açúcar, quase nada para fazer, num país tão honesto como o nosso, capaz de ter o homem mais honesto do mundo.

Aí que a coisa ficou divertida! Costumo resumir meu trabalho com uma simples e enigmática frase: faço com os políticos apenas o que eles fazem conosco. A interpretação é livre!

Já se vão 12 anos e meio na defesa do patrimônio público e combate à corrupção, uma área desafiadora, mas também gratificante, apesar dos enormes obstáculos e desafios que se tem em combater a corrupção em um dos países mais corruptos do mundo. O recente escândalo do petrolão, diz muito, do que temos que enfrentar e do quão gigantesca é a tarefa que temos pela frente. Certamente, o Ministério Público não poderá enfrentá-la sozinho, mas inegavelmente, é o maior protagonista desta luta. O começo foi muito difícil e o Judiciário foi muito resistente às ações judiciais do MP.

O bloqueio de bens previsto na lei de improbidade administrativa e que dispensa a prova do ¨pericum in mora¨ só foi efetivado 18 anos depois da lei, quando o Superior Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência em 2011. Sem o bloqueio de bens a ação de improbidade administrativa perde a razão de existir, pois ele é indispensável à reparação dos prejuízos causados ao erário, além de desestimular práticas danosas ao Estado. Caso os bens não sejam bloqueados no início da ação, no final não haverá nada para confiscar e reparar o dano, objetivo primordial desta ação.

Com o passar do tempo, propusemos inúmeras ações, bloqueamos e confiscamos bens e tivemos uma atuação importante na prevenção da corrupção e dos danos ao erário expedindo recomendações antes dos gestores públicos efetuarem gastos ou firmarem contratos lesivos ao erário. Com certeza, evitamos o desvio de muitos milhões de reais. Num só contrato foram meio bilhão de reais, o suficiente para justificar nosso vencimento até o final dos dias. É claro que isto causou a ira de muitos que tiveram seus interesses contrariados e que não compõem o grupo de pessoas que reconhecem o nosso trabalho nas ruas, supermercados e outros locais públicos, via de regra, não frequentados pelos corruptos de plantão.

Nossa postura enérgica e determinada, a exemplo do júri, até mesmo obstinada, nos causou muitos dissabores, retaliações e ameaças. Aqui, ao contrário do júri, não corríamos o risco de morrer, pois, nossos algozes não desejam que nos tornemos nomes de rua ou praça, preferem nos desmoralizar e volta e meia deflagram uma campanha com este objetivo.

A criatividade da bandidagem de colarinho branco é grande. Já mandaram flores para mim, em minha casa, quando minha esposa se encontrava, em nome de uma aluna, mandaram um ex-presidiário pedir dinheiro em minha casa, na esperança de que abriria a porta, gravaram conversas minhas ao telefone ilegalmente, já produziram laudo pericial falso a fim de me incriminar, já fizeram dossiê da minha vida profissional e particular, puseram gente para me seguir, tentaram me comprar sem êxito, já ofereceram emprego para parente, perdi as contas do número de representações na corregedoria depois de contar até a trigésima, já me representaram no CNMP, me sindicaram, perseguiram e me puniram de modo abusivo e ilegal, o que foi corrigido pelo Colégio de Procuradores de Justiça do MP, por meio de um recurso, em que meus perseguidores foram desmoralizados pelo placar vexatório de 19 votos contra 4.

Enfim, a imaginação parece não ter fim. Mais recentemente, divulgaram nas redes sociais uma foto da minha suposta mansão, porém era a casa do vizinho. Divulgaram meu contracheque afirmando que estava metendo a mão no dinheiro público, quando, em verdade recebi uma remuneração extra referente à venda de minha licença prêmio, a fim de pagar meus credores, especialmente os empréstimos no Banco do Brasil e o cheque especial deste. E se utilizaram das redes sociais para fazê-lo.

Fui acusado de ser candidato a cargo eletivo, embora seja impedido legalmente de sê-lo, espalharam que meu pai era sócio de um deputado, embora, à época, já estivesse falecido há 18 anos, me acusaram de sequestrar um senhor que foi dirigindo seu próprio carro até o prédio do fórum, onde teria sido mantido em cárcere privado no gabinete do MP, de porta aberta e de constrangimento ilegal, embora, ele estivesse acompanhado de sua advogada. Realmente a criatividade desta turma é grande!

Cheguei a ser investigado sob a acusação de receber propina de um gangster goiano, réu em uma de nossas ações. Fui investigado na corregedoria, apesar de a denúncia ser anônima, o que nunca havia autorizado a corregedoria a investigar, tomando por base uma denúncia anônima. Ao final, fui absolvido, como era de se esperar, inclusive, em inquérito civil público, instaurado para me investigar, a meu pedido. Até por isso passei.

Recentemente, fui impedido de inspecionar a central de monitoramento das tornozeleiras eletrônicas do Estado, sob o argumento de que este serviço é sigiloso, o que foi desmentido com a concessão de liminar no mandado de segurança que fomos obrigados a impetrar, o que me rendeu uma representação no CNMP do secretário de Segurança Pública e Vice-Governador do Estado, também julgada improcedente, o que me levou a processar o Estado por dano moral, face ao ato arbitrário e manifestamente ilegal do Vice-Governador. A propósito, muitas foram as ações judiciais que ajuizamos contra nossos detratores, criminais e cíveis, as quais não param de crescer e já superaram a casa das 30 ações judiciais.

Mais recentemente fui processado pelo governador de Goiás, o qual seguindo o exemplo do homem mais honesto do Brasil, me pede o pagamento de R$ 100 mil, por suposto dano moral, por ter lhe formulado uma pergunta pelo Twitter, e já se vão três anos sem julgamento do feito.

Só elenquei os casos mais bizarros, eis que a lista é grande e o espaço curto. De qualquer forma, vale o registro, para concluir que tudo que não te mata, te deixa mais forte, e que meus adversários têm contribuído decididamente para o meu fortalecimento. Se desejam me jogar no ostracismo, deveriam mudar de estratégia, pois suas ações tem provocado exatamente o oposto.

Para os novos colegas que abraçaram a causa do Ministério Público e aos que almejam fazê-lo, aconselho-os a não temer seus investigados e réus e, na medida do possível, despersonalizar sua atuação, compartilhando-a com outros colegas, pois quem age é a instituição, nós somos seus representantes. Além disto, é aconselhável atender a todos, mesmo os investigados ou réus, para demonstrar-lhes que não atuamos movidos por razões de interesse pessoal, pois não temos nada contra o pecador, apenas contra o pecado.

Enfim, um promotor não pode, nem deve temer os criminosos de todo tipo, porque sua função é combate-los e puni-los, ainda que a lei e o sistema de Justiça não ajudem. É por isso mesmo que estamos onde nos encontramos e somente sairemos desta encruzilhada histórica quando tivermos a coragem cívica de enfrentarmos os criminosos e bandidos de toda espécie e a determinação de mudarmos nosso sistema legal e de Justiça.

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