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03/02/2017  - In dubio pro vita
 
Por César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça em Mato Grosso, presidente da Associação dos Promotores do Júri (Confraria do Júri), coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri do Ministério Público de Mato Grosso e Editor do blogue Promotor de Justiça.

Ninguém ousa negar que a vida é inviolável. O Direito - natural, internacional e nacional - protege a existência humana. É verdade consolidada que qualquer ser vivo nascido de mulher é – e deve sempre ser - tutelado juridicamente pelo Estado. Se todos têm direito à vida, todos também têm o dever de não matar.

Com efeito, o primeiro artigo da parte especial do Código Penal brasileiro trata sobre o homicídio, em suas variadas formas. O texto busca a todo o tempo proteger e reafirmar a vida humana. Para tanto, como regra, prevê a aplicação de pena privativa de liberdade para quem, deliberadamente, atacar a vida de outrem e, por conseguinte, violar a norma mínima não matarás.

A reprovação penal é recrudescida conforme o motivo, o meio, o modo ou a finalidade do crime. Há, então, maior responsabilidade do agente.

É verdade que, na parte geral desse mesmo Código, coexistem engenhos jurídicos que afastam ou minoram a responsabilidade criminal de quem se levantou contra o direito de viver do semelhante.

No Brasil, é o Tribunal do Júri, mais especificamente o Conselho de Sentença composto por 7 pessoas, que julga os crimes intencionalmente praticados contra a vida humana.

A simples observação de uma sessão de julgamento popular ensina que uma das frases mais citada é o in dubio pro reo. Ou seja, quase sempre a defesa invoca a presença de dúvida em busca de um resultado favorável ao acusado.

Todavia, quase nunca se ouve o in dubio pro vita. E a razão disso é muito simples: consumado o delito, o foco é voltado para a pessoa do acusado em detrimento da pessoa vitimada. O direito à vida, que é o protagonista a ser tutelado pelo Estado e a sociedade, é relegado, quando muito, ao papel de mero coadjuvante.

Noutras palavras, algumas vezes, os jurados, seduzidos pela fala defensiva da dúvida, fazem com que o Tribunal do Júri passe a figurar como mais uma instância judicial para premiar com a impunidade o violador da norma mínima.

Quando isso ocorre, fica evidente que o Tribunal do Júri deixa de ser um tribunal de valorização da vida e defesa do corpo social e passa a ser uma porta larga da impunidade.

Por tudo isso, é vital que os olhos sejam voltados e fixados ao princípio do in dubio pro vita, quando se está diante de interpretação do Código Penal nos casos em que são analisados crimes dolosos contra a vida. Vale dizer, deve-se extrair do texto legal o entendimento que encontra ressonância na tutela da vida humana e jamais naquele que concede benesses ao violador do direito à vida.

Havendo, então, dúvida na interpretação da lei, deve ela ser resolvida em favor da vida.

Sem maior esforço mental, portanto, vê-se que os requisitos da legítima defesa, do homicídio emocional ou qualquer outro instituto que afaste ou diminua a responsabilidade do agente devem estar devidamente comprovados no mundo fático e, por óbvio, no processo, para que possam ter incidência no caso penal em julgamento. E o ônus da prova é de quem alega. E mais: não se pode permitir a flexibilização ou customização de vocábulos legais para atender aos anseios do homicida em detrimento do direito à vida.

Não por outra razão que, a título de exemplo, termos como “moderadamente”, “meios necessários’, “injusta agressão”, “agressão atual ou iminente”, “sob o domínio”, “violenta emoção”, “logo em seguida” e “injusta provocação” (artigos 25 e 121, §1º, do Código Penal) devem ser interpretados sem elastérios e que haja comprovação cabal de suas ocorrências no conjunto de provas. A interpretação deve ser em prol da reafirmação do direito à vida e, doutro lado, como censura a quem se levantou contra esse superdireito.

Em decorrência disso, importa reconhecer e dizer alto e bom som que se apegar ao in dubio pro reo nesses casos é optar deliberadamente por ser cúmplice da impunidade e do malbaratamento da vida.

Cabe aqui um parênteses para espancar qualquer mal-entendido. É evidente que o princípio do in dubio pro reo deve incidir na apreciação da prova, principalmente nos casos de inexistência de elementos probatórios além de qualquer dúvida razoável acerca da autoria e participação no delito. O que não se pode admitir é o reconhecimento de causa excludente ou minorante da responsabilidade criminal sem que haja respaldo probatório no processo. Havendo dúvida, esta deve ser resolvida em favor da vida e não em benefício do criminoso, mesmo porque o ônus da prova em demonstrar tal incidência lhe incumbia.

Logo, uma conclusão absolutamente segura se impõe: o Direito descrito na letra fria do texto legal precisa transformar-se em realidade eficiente e não pode distanciar-se do que é vivido pelo povo, que está em um barco à deriva, navegando por um rio caudaloso de sangue humano frente aos índices bárbaros de assassinatos no país. E é a interpretação jurídica comprometida com a vida que dará vida ao texto para reafirmar a própria vida. Para tanto, o mantra defensivo do in dubio pro reo deve ceder lugar ao princípio do in dubio pro vita nos plenários dos Tribunais do Júri do país afora.

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